Poesia do século XVII
A poesia lírica Cultista e Conceptista
O cancioneiro barroco: a “Fénix Renascida” e o “Postilhão de Apolo”
E a “viagem” é retomada. Agora com o poeta
Jacinto Freire de Andrade
A uma mosca bisbilhoteira
Sextilhas
És uma mosca audaz,
co’a esperteza suplantando o tamanho;
julgo-te até capaz
d’entrares em baú forrado a estanho.
Penetras e escondida
bisbilhotas, a rir, de todos a vida.
Como consegues entrar
em suposto fortim impenetrável?
Tal cupido a picar
um, o corpo; outro, o coração afável.
Devias ter pudor,
não dizendo às amigas o teu penhor.
Foste velhaca e má
ao contar-lhes o que viste na alcova
de um casal por Deus já
abençoado. Outro assunto te mova:
corrupção dos políticos,
mercância poluta dos sibaríticos.
És noctívago bicho
para melhor acometeres a vítima;
ébrios por capricho
escolhes para tua cor legítima
tentares encobrir:
serás sempre feia ora e no porvir.
Insecto repelente
pela tua porca alimentação.
Nem parece contente
o vidraceiro com a dejecção.
Tens sonido irritante,
que todos consideram aviltante.
Ao criar o Universo,
parece que Deus de ti se esqueceu;
do nada e ao inverso
te fez, mas dizem que se arrependeu.
Do ser a brevidade
não se compara co’ a tua maldade.
Corpo tão reduzido,
sempre na sombra; o Sol nem te descobre.
Provocas alarido,
quando aferroas algum rico ou pobre.
E se uma mão pesada
em ti cair? Ficarás esmagada.
Se promessa fizeres
de igualmente revelares ao Mundo
d’homens e de mulheres
o desejo do regresso profundo
d’amor e caridade,
rogarei que a lenda seja verdade. (a)
a) referência à lenda de que, no princípio do Mundo, os seres irracionais eram dotados da linguagem dos humanos.
Imagem:internet
Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra