António Dinis da Cruz e Silva
(1731 – 1799)
“Nascido em Lisboa, de família humilde, consegue, mesmo assim, as protecções que lhe permitiram seguir estudos secundários no Oratório e cursar a Universidade de Coimbra. A experiência da Lusa Atenas constitui-se, também, em traumatismo para este notável satírico. Mas é este um dos momentos culminantes de ataque ao fradismo mental dos lentes.
Em 1764 encontramo-lo como juiz auditor em Elvas. O “Hissope” é a obra-prima de Cruz e Silva. Ele baseia-se num assunto trivial: a disputa entre o Deão da Sé de Elvas e o Bispo. Quando este visitava a Sé, era costume ser recebido pelo Deão, que lhe fazia a entrega do hissope para as aspersões rituais. Certo dia, o Deão recusa-se a cumprir com esta praxe. E das querelas daí derivadas nasce a matéria para o “Hissope”. Neste poema o que está em questão é todo um mundo ainda eivado de feudalismo, em plena época das Luzes.
O “Hissope” cristaliza a crítica iluminista ao alto clero da terra. É uma sátira social.”
Relembremo-lo com um pequeno poema satírico e humorístico, mas respeitando (excepto na rima e na métrica) a sua intencionalidade e personificação de imagens abstractas (alegorias).
O Turíbulo
I
Pr’as bandas, onde a bela Aurora o Sol beija,
um recanto era, chamado Quimeras:
diferentes costumes e muita Inveja,
todos discutiam por Bagatelas:
a Excelência, da Senhoria,
mesmo de falsa geneologia,
se afastava: então medrava a Discórdia.
A Lisonja tinha agora bom pasto,
à Depêndencia perdeu-se o rasto.
II
No rincão viviam um sábio Arcipreste,
mui versado na “Summa” Teológica,
tudo contestando oposto ao Celeste;
a moda do francês, pr’ele, era alógica;
o Sacristão, devotado tomista,
de hábitos de antigo seminarista,
e o Acólito, de mente brilhante,
que assimilou o ensino de Descartes,
mas espalhou o Ódio em várias partes.
III
Ira e Afronta mal-estar geraram
entre o Acólito e o Sacristão:
ambos o Turíbulo cobiçaram
e queriam segurá-lo na mão,
quando o Predendado lhe punha o incenso.
Um citava a Tradição e o bom senso;
o outro considerava isso trapaça.
Um, direito medievo invocava;
p’ra o outro, iluminismo tudo inovava.
IV
Ao Clérigo levaram a pendência.
Ambos alegaram os seus argumentos:
p’ra Acólito, Escolástica, falência;
p’r outro, Tomismo, o melhor dos alimentos.
O Arcipestre, douto e prudente, assim
decidiu: algum de Vós viu o fim
da Impaciência e de outras fúrias?
Acalmem-se e reine sempre a Paz.
Alternem o serviço e isso me apraz.
Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra
Fotos:internet