segunda-feira, março 15, 2010

Momento de Poesia com Agostinho Fardilha



Poesia Renascentista


Em homenagem ao escritor quinhentista Francisco de Sá de Miranda, natural de Coimbra.
“Ficamos a dever a Sá de Miranda a introdução, em Portugal, do novo estilo literário(“dolce stil nuovo”), usando as novas formas renascentistas em voga na Itália, onde viveu alguns anos. Mas nunca deixou de cultivar e poetar nos moldes tradicionais, usando a “medida velha”, como se verifica nas “cartas”.
A parte mais original, e por ventura mais interessante, da obra poética de Sá de Miranda é a metrificação em redondilha menor”.
Nas “cartas”, em quintilhas de versos de 7 sílabas, manifesta a sua constante preocupação de fazer moralidade, de ser útil.
Modestamente vou tentar imitar Sá de Miranda, escrevendo, em verso, uma breve carta aos indulgentes leitores dos meus insignificantes escritos.


Carta

Desculpa aos caros leitores,

humilde, quero pedir

e aos indulgentes censores,

por eu lhes diminuir,

o tempo p’ros seus labores.



Para Vós e para mim,

que elogiamos as letras,

serão ócio sem fim,

o bom alimento, enfim,

das mentes, por vezes, pretas.



Mediania dourada,

alegre, opõe-se à riqueza;

é a inimiga ajustada

da ambição. Maior nobreza

do que a vida imaculada?



Evita o explorador

que torna seu o alheio:

das leis não é cumpridor,

revertendo a seu favor

o que furta sem receio.



Feliz era a idade de ouro,

sucedendo-lhe a da prata;

depois, como bravo touro,

a do ferro, que, em bravata,

do mundo fez matadouro.



Como é bom viver no campo!

A ave, fugindo à gaiola,

procura lugar escampo,

aberto e livre de tampo;

medrosa, já cantarola.



Ficam, em geral, no olvido

a tranquila vivência

e o ar puro sempre havido,

da Natureza a essência,

a cura do desvalido.



Livres seríamos nós,

respeitando a “madre antiga”;

não ficaríamos sós,

bastaria a mim e a Vós

como a mãe o filho abriga.



Olhai a simplicidade

d’homem do campo, o vilão,

apagado e sem vaidade.

Ambicioso e mui vão

é o homem da cidade.



Atenção aos lisonjeiros

de que estamos rodeados:

por fora, mansos cordeiros;

por dentro, lobos matreiros.

Ficamos, ora, avisados.



Defendamos a justiça,

que, para ser verdadeira,

jamais acomodadiça,

mas em tudo sempre inteira:

definharia a cobiça!



Pensemos na honra manchada,

que ficará sempre suja.

Vaidade mui disfarçada,

em voga bem praticada,

é a beatice sabuja.



Lembremo-nos como a vida

é fugaz e que a morte

impõe a nossa partida

e nos dá o passaporte

p’ra terra desconhecida.



Será nossa obrigação

honrar os antepassados.

Deram-nos boa lição

sobre o amor ao nosso irmão.

Oxalá sejam lembrados!



Termino. De novo peço

vénia p’ra estas pelejas.

Escrevinhei em excesso.

As palavras, tais cerejas:

como e logo recomeço.




Quintilhas de versos de sete sílabas. Esquema: ababa e abaab e assim sucessivamente, em alternância, toda a sua estrutura.


Vocabulário: pretas= sombrias, melancólicas




Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)



Coimbra



Imagem:internet

17 comentários:

Cândida Ribeiro disse...

Elisa,

Um grande momento de poesia que aqui partilha.
Lendo com atenção encontramos grandes ensinamentos.

beijinhos

Maria Cusca disse...

Lindo amiga!
Oxalá sejam lembrados!
Tantos e tão bons ensinamentos.
Jinhos amiga.

Maria Cusca disse...

E claro!
Parabéns ao Pai, pela grandeza das palavras.
E Parabéns à filha por partilhar connosco.
Jinhos

A Magia da Noite disse...

aqui aprende-se

Paula Raposo disse...

Que maravilha! Um grande beijo ao teu Pai por tudo o que nos ensina.
Beijos para ti.

Bella disse...

O teu pai saiu cá um poeta e tanto :)

Bjs

Nilson Barcelli disse...

Este poema do teu pai é uma delícia.
O estilo está em desuso, mas ombreia com os escritores que o usavam na época.
Querida amiga, boa semana.
Um beijo.

Anónimo disse...

Grande versos amiga e bela homenagem.
Tu deve ter um pai bem sensível.
Parabénssssssssssssss.
beijos mil.

Anónimo disse...

«Na humildade está a verdade»

Se o nosso amigo Dr. Agostinho Fardilha, nos pede desculpa, o que deveremos nós pedir???( a humildade é um sentimento nobre!)

Pediremos também desculpa, por nos faltarem as palavras adequadas perante esta "Carta Conselheira" que nos envia.

A boa leitura nunca foi, nem será,
uma perda de tempo.
É sim um momento de enriquecimento ;
é sim como diz «bom alimento».

Esta carta tem os seus bons ensinamentos!

Necessitamos de "acordar" para termos consciência do valor da vida rodeada de «nobreza»;
Oh! que mundo é este tão sujeito a prisões de todo o género!
Como nos deixamos vencer,neste mundo tão cruel. O mundo deixa de ter a sua beleza e passa a ser como um" matadouro "onde não temos qualquer dignidade, pois nos deixamos arrastar pelas tentações!!

« Como é bom viver no campo!»
Teremos nós melhor tesouro que a Liberdade?
Viver sem amarras; Viver sem qualquer espécie de escravidão.
É a liberdade interior que nada nem ninguém nos cobrará.

Mas que" bom conselho" nos dá o poeta
dizendo-nos que:

«...o ar puro sempre havido,
da Natureza a essência,
a cura do desvalido.»

Nada pagaremos, por tal.
Desfrutemos dele enquanto somos vivos.

E continuando duma forma singela nos incentiva à« simplicidade»
.....Olhai a simplicidade .....

A simplicidade sendo simples é bem complexa de a obter.Mas se a ginástica não é feita neste sentido seremos sempre muito complexos!!!

E os alertas continuam:
«Atenção aos lisongeiros
de que estamos rodeados...»

Por ventura, isto não é uma pura realidade?!

Quem nos avisa
nosso amigo é.

E como pessoa experiente e duma forma amigável convida-nos a pensar seriamente nas consequências :
«...na honra manchada,
que ficará sempre suja»

Que verdade!!!

E continuam os bons conselhos.

«...a vida é fugaz e que a morte
impõe a nossa partida...»

Não adianta nada, mesmo nada,
andarmos numa correria desenfreada , pois teremos o fim da nossa caminhada.

Há alguém que conteste esta passagem???

Haverá alguém que não sinta ser
«... nossa obrigação
honrar os antepassados.???

Como poderemos deixar de prestar-lhes homenagem pela
«boa lição
sobre o amor ao nosso irmão...»???

Mas que Carta tão amiga.
Carta que nos faz pensar e agradecer.

Peço também desculpa por ter escrito em demasia.

O "emissor" levou o receptor a sentir-se tão bem consigo mesmo que fez com que
« as palavras se" igualassem às
cerejas"!!!

Muitos Parabéns e muito obrigada pelos seus valiosos conselhos tão actualizados e escritos numa Poesia de índole Renascentista !

Parabéns, Elisa, pois continuarás a ser uma filha muito sortuda.
Beijinhos.

Miriam de Sales disse...

Parabéns pela homenagem a Sá de M iranda,sem dúvida um dos maiores poetas portugueses.
Versos muito belos completaram a homenagem.
Abraços baianos

Adelaide Mesquita disse...

Olá Elisa!
Bonita homenagem, esta do seu Pai!
Também pela parte que me toca obrigada pela carta e pode dizer-lhe que não acho os escritos dele, insignificantes. Acho que nasceu para aquilo que gosta de fazer e eu gosto imenso de o ler.
Beijinhos e cumprimentos para ele

Mena disse...

Olá!
Lindo poema e lindo o comentário do senhor anónimo. Gosto muito de ler os seus comentários!
Elisa, o teu pai não publica a poesia que escreve?
Bj
Mena

Zé Al disse...

Lisa
Os meus sinceros parabéns a seu pai e um grande abraço a um grande poeta!
Beijos
Zé Al

João Videira Santos disse...

Um belissimo poema com a partilha devida.

Gostei

Anónimo disse...

Excelente!

Lindíssima edição.
Parabéns.

Bjs

APO (Bem-Trapilho) disse...

olá olá!
vim ler as tuas novidades! sempre muito bonitas!
bjos

mfc disse...

Uma métrica exigente num discurso fluído, quase coloquial, que transmite a aparência, errada, de facilidade.

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