sábado, setembro 18, 2010

Momento de Poesia com Agostinho Fardilha

Poesia do Século XVII

A Poesia Lírica Cultista e Conceptista

O cancioneiro barroco: a “Fénix Renascida” e o “Postilhão de Apolo”.

“ O que mais depressa fere a atenção na poesia barroca portuguesa é o contraste entre a sua ênfase ou tortura de estilo e as ninharias que servem de conteúdo à maior parte dela.

Há numerosa versejação em torno de simples incidentes, como o desmaio de uma senhora provocado por uma sangria, o caso de um pintassilgo comido por um gato…

Notam-se defeitos como o exagero descabelado da superlativação encomiástica. Por vezes, entrelaçam-se dois, três ou quatro temas dentro do soneto.

Um dos seus mais evidentes estigmas é um sentimentalismo amaneirado e verboso. Até o sentimento religioso se alambica em muitas poesias desta época.

A ânsia de evasão para os paraísos artificiais da imaginação é uma das características do estilo barroco. Não é por acaso que o título do principal cancioneiro barroco se refere a uma ave mitológica ( a Fénix que renasce das próprias cinzas).

O cultismo é essencialmente um artifício da forma, enquanto o conceptismo é do conteúdo.

Os poetas da “Fénix Renascida” ou do “Postilhão de Apolo” limitam-se a intensificar fórmulas, a emprestar muita importância a uma construção que cai no artificioso.


Resumindo: cultismo e conceptismo são duas expressões de um conceito de poesia fundamentalmente idêntico e que se integra no estilo da época barroca: o que a reduz a uma actividade puramente lúdica. É um jogo de palavras, faiscante de graciosos trocadilhos ou equívocos; é um jogo de imagens, com que se aformoseia, se transfigura a realidade; um jogo de construções, com que se organiza a frase e se molda o pensamento dentro de modelos predeterminados; um jogo de conceitos – os conceitos subtilizados pelos hábitos escolásticos, que os substituíam à observação e à experiência.”


Até ao fim do ano em curso vamos recordar, com poesia, alguns poetas que cultivaram o estilo barroco, respeitando a sua actividade puramente lúdica.




Iniciamos esta”viagem” com o poeta



António Barbosa Bacelar



Soneto


À solidão


Vivo satisfeito, por estar só;
óptimo seria estar com alguém,
acreditando que eu era ninguém.
A companhia até me causa dó.


Viajo parado no meu trenó,
correndo na neve que está além.
Os intensos clarões não vejo bem,
mas ouço o moinho que não tem mó.


Se estou alegre, começo a chorar;
se desanimo, coisa boa espero.
A desgraça alimenta minha esp’rança


de tudo possuir, sem o lograr.
Se o dia é radioso, desespero;
se está chuvoso, a fúria me amansa.




Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)



Coimbra
Foto: Olhares.com

13 comentários:

Anónimo disse...

Belo soneto.

O conformismo de quem está só.

Abraço.

lis disse...

Agostinho
Adorei o texto , e que maravilhosa aula de literatura ! Parabéns.
O soneto muito bem contruído ,uma sutil melancolia e diferente de tudo que tenho lido.
Gostei muito, vou pesquisar mais sobre o poeta e aguardar suas novas publicações.
abraços

Mlisa
deixei um selinho pra voce pela honra que me dá com sua presença acolhedora e pela qualidade que encontro quando venho ve-la.
Espero que goste da dedicação.
seu pai arrasou!
lindo pai tu tens amiga! que privilégio ( me emociono porque sou orfá desde bebê )
bom fim de semana

olharbiju disse...

Olá Elisa.
Obrigada p'la parte informativa.
O poema tem expresso todos os sentimentos que temos escondidos sem sabermos e sem jeito para escrever assim.
MUITOS PARABENS AO PAI.(Já percebi a veia da filha)
bjnhossssssssssssssss
alice

mfc disse...

Uma introdução magnífica, um manancial de conhecimento.
Um Soneto que ressalta e compreende o que de contraditório existe em nós e nos caracteriza melhor.

GRAÇA disse...

Gostei muito dos dois
Bom fim de semana e Bjs
Graça

Zé disse...

Papá adorei ler o teu soneto, pois falou-me bem fundo no meu coração.

Tua filha Zé.

Savi disse...

Olá Elisa
Admiro o orgulho que sente por seu pai,mas também não é para menos.
Gostei da introdução assim como o soneto,parabéns amiga por ter uma família muito sábia.
Beijinhos uma excelente semana.
Savi

Maria Cusca disse...

Olá amiga.
Mais uma vez Parabéns ao Sr. Agostinho! adorei.
E obrigada por nos continuares a mostrar estas maravilhas.
Jinhos grandes.

A Magia da Noite disse...

às vezes a chuva é a calma que o Sol não trás.

Paula Raposo disse...

Saio daqui mais culta! Obrigada!
Muitos beijos.

Lídia Borges disse...

É um soneto bem ao jeito de alguns clássicos.Nem escapa a tónica do desencanto e desordem emocional do "eu lírico".

Obrigada pela partilha.
Gostei muito. Um poema para "guardar" se mo permitir.

Um beijo

Lilá(s) disse...

Que soneto maravilhoso! que pai mais querido! um beijinho para os dois.

Nilson Barcelli disse...

Nunca tinha lido uma definição tão precisa dos dois estilos.
O poema escolhido é um bom exemplo.
Querida amiga, o teu paia, para além de bom poeta, dominava a teoria poética.
Boa semana, beijos.

ShareThis