Frei José de Santa Rita Durão
(1722 – 1784)
“ É um poeta brasileiro, nascido em Minas, da fase neoclássica. Colaborou na política antijesuita de Pombal. É o autor do poema épico Caramuru, de feitio camoniano, no qual o poeta penetra na alma e nos costumes dos indígenas. Inspira-se nas aventuras semilendárias de Diogo Álvares Correia, pioneiro da colonização brasileira, no século XVI, que naufragou na Bahía, vindo a casar com uma ameríndia.”
Lembremo-lo com as seguintes estrofes:
Os amores do náufrago
(Luada e Machu)
I
Descoberto o Brasil, percorre a fama
de riquezas naturais a Colónia.
Nobres e burgueses de dinheirama
arrebatam ou compram sem cerimónia
famílias de índios. Oh! Que drama!
Vão acorrentados e com acrimónia
são tratados. Alguns, de alta linhagem,
prefiguram o chamado bom selvagem.
II
A notícia, prenhe de avidez,
qual deus Mercúrio em velocidade,
sacode o Reino mais do que uma vez;
agita de um tal Diogo a vaidade:
contrata centenas, apenas num mês,
de camponeses, fugindo à herdade.
Mais deserto fica este Portugal:
antes, cultura; agora, matagal.
III
Partem, rumando p’ra costa africana,
onde pilham, a esmo, magotes de pretos,
sem respeito p’la sua regra arcana;
bocas gritando, corações com espetos.
Negreiros e a chorosa caravana,
regando de lágrimas os amuletos,
suportando dificuldades mil,
ancoram, enfim, nas costas do Brasil.
IV
Para concubinas tomou Luada,
sendo de Diogo a mais preferida
esbelta de corpo. Outra, a Calulada,
bem talhada, foi por ele acolhida.
Arrebanha a esguia e bela Murada
e a altiva Quibanda já apetecida.
Completam o “serralho” a jovem Kienda
e ainda a sua triste irmã Xipenda.
V
Nos areais, fronteira que será
um dia de S.Paulo grande Estado,
lançam âncoras. P´ra onde a turba irá?
Embrenham-se no mato. Único fado:
exploração e o resto surgirá.
Agarram índios e o grupo é aumentado.
Diogo amplia o seu concubinato:
toma algumas e com Machu fará acto.
VI
Uns vão mais além: são os bandeirantes.
Outros vasculham os rios: garimpeiros
são. O café e açúcar importantes
ganhos deram àqueles que em cativeiros
tinham pretos, índios e filhos de amantes;
são estes do Brasil os pioneiros!
Foi a Igreja quem lhes deu dignidade,
com missionação e liberdade.
VII
A mescla de três civilizações,
(europeia, africana e amaríndia),
atravessa os tempos e até canções
as noites preenchem com nostalgia.
Onde foram geradas as devoções
ao laico António e Cícero abadia?
E os carnavais, mais cultos com feitiços?
E alimentos naturais tão castiços?
VIII
Luada, ferida de grande inveja,
insulta Diogo e sua mulher.
Mas ele novos horizontes deseja.
Parte e vai até onde Deus quiser.
Porém, o Mar é quem tudo maneja;
na Baía naufragou: que mister!
Poucos, nadando, salvaram a vida.
No sertão, a voz de Luada era ouvida!
Vocabulário
fazer acto = casar-se
Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra
imagens:internet
10 comentários:
Bela homenagem a um dos poetas percursores do nativismo no Brasil.
Parabéns pelo poema.
Abraço.
AA.
Oi Mlisa e Sr.Agostinho
Um post de grande importancia pra uma brasileira que volta as lembranças boas da escola quando estudava sobre fatos da história do Brasil rs
"Caramuru"( Diogo Alvares Correia) que viveu junto aos índios ,era assunto corriqueiro, sabia dessa história todinha rs , o envolvimento de Caramuru com as índias ,em particular com Paraguaçu, a mais bela, e a ajuda com os indios doutrinando-os.E o casal chega a ser recebidos com honras na corte portuguesa e na França e transmitiam o que viam e sabiam da fauna e flora brasileira .
Como toda história do Brasil colonial há controversias quanto ao naufrágio de Caramuru-há quem diga que foi degredado e abandonado no litoral brasileiro.Ele era de Viana do Castelo e lá vivia uma vida meio
conturbada( pobreza) , segundo alguns historiadores. Deixou uma série de descendentes que foi crucial na miscigenação cultural que originou o povo brasileiro.
Quanto ao Frei Jose da Santa Rita nao lembrava mais , um autor meio esquecido,pelo menos em citações.
Obrigada Agostinho pela ótima edição.Parabéns.
Gostei de conhecer "Os amores do náufrago"
deixo abraços
Desconhecia o poeta.
Obrigada pela partilha.
Bela homenagem de um poeta a outro.
Beijos.
Soberbo poema!
A descrição perfeita da opressão dos mais desfavorecidos de então.
Parabéns.
Abraço.
Grato pela partilha
Foi apenas para dilatar a Fé, já que o Império vinha em segundo lugar!!!
E é graças ao teu pai (e a ti) que tive a possibilidasde de ler poesia tão interessante.
Obrigado pela partilha.
Querida amiga Lisa, tem uma óptima semana.
Beijos.
Não conhecia.
Obrigado.
Saudações poéticas
Bela escolha: " Mais deserto fica este Portugal:
antes, cultura; agora, matagal."
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"Parte e vai onde Deus quiser"...
Voltarei
Bj
BShell, a concha.
Faz-nos lembrar de tantos outros naufragos ou não que aqui se apartaram e se fartaram...
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