Guerra Junqueiro
Abílio Manuel Guerra Junqueiro
(1850 – 1923)
“ Oriundo do meio social duriense,
muito tradicionalista e clerical, a família destinara-o à vida eclesiástica.
Chegou a frequentar a Faculdade de Teologia, quando Coimbra ainda vibrava na sequência
da recente Questão do Bom Senso e Bom Gosto. Acabou por se formar em Direito.
Conviveu de perto com o poeta João Penha, tendo-se estreado na sua famosa
revista A FOLHA. Tentou sempre conciliar a sua vida entre a cidade e o campo,
entregando-se à exploração agrícola na sua terra de Barca de Alva. Aquando do
Ultimato inglês, Junqueiro vibrou de patriotismo e, renunciando à monarquia,
passou a antever no advento da república o princípio da regeneração da vida
nacional. Com António Cândido, Junqueiro foi um dos”Vencidos da Vida” que mais
tempo viveu, podendo assim ter uma imagem mais completa do que a sua geração
fez ou deixou por fazer. Junqueiro foi um dos poetas mais admirados e odiados
do seu tempo. Aderira ao grupo do Cenáculo, alinhando-se com os outros membros
mais vivos da geração de 70. A sua poesia é ao mesmo tempo satírica e
religiosa. A visão junqueiriana da comédia humana é muito complexa. Quis ser
poeta/profeta como Víctor Hugo. Desejou fundir Ciência e Poesia, arvorando-se
em vago mentor da revolução emancipadora de todos os ancestralismos. O momento
culminante da sua actividade panfletária foi atingido com a publicação de A
VELHICE DO PADRE ETERNO. Na sua visão jacobina de Deus e da Igreja, falta a
Junqueiro a fina ironia voltairiana. A irreverência da linguagem e dos chascos
atraiu sobre si a maldição eclesiástica e o interdito de leitura da VELHICE DO PADRE ETERNO. A
Velhice do Padre Eterno é uma sátira bíiblica e anticlerical deformadora,
atenuadas por algumas jóias poéticas de pura religiosidade, de sabor
humanitário e panteísta na moda. Será, aliás, esta corda final que o poeta
saberá fazer vibrar com perfeição na parte final da sua vida. O próprio poeta
não pode deixar de reconhecer o grosseiro facciosismo nas suas sátiras FINIS
PATRIAE e PÁTRIA. Calaram-se as suas diatribes voltairianas e o poeta de OS
SIMPLES, da ORAÇÃO DO PÃO, da ORAÇÃO À LUA, envereda por trilhos metafísicos,
sem nunca desprezar preocupações científicas e progressistas”.
Lembremos este Grande Homem e
Poeta, autor de vasta obra multiforme, através das insignificantes composições
poéticas com que tentamos imitá-lo.
I
Para onde vais, mulher?
Do casebre saiu,
era noite cerrada,
um gemido se ouviu,
vindo duma trouxada.
De fome agonizava
o fruto das entranhas.
Ela tudo tentava,
mas isenta de sanhas.
Ao longe há luzes e
festa.
Pula nos matagais,
chega lá muito lesta.
Pede atendam seus ais.
Como peste foi tida,
incómodo a evitar.
E dali foi corrida:
lá vai recomeçar.
Já é dia, o Sol raia.
Ouve duma choupana
choro de mãe ou aia.
A terra tem por cama.
Ambos eram meninos e
Jesus os chamou.
Mistura dos Anjos os
hinos e choros destas mulheres.
Recorda que Tua Mãe
junto à Cruz chorou.
E Tu podes também levá-las, se quiseres,
premiando os quatro com
alegria e amor.
Os Céus aclamar-Te-ão,
chamando Senhor!
II
Os Vampiros
De noite o sangue
chupam ao inocente.
De dia encantam com
falinhas mansas.
Nos negócios usam
outras danças,
iludindo às avessas o
mais crente.
Acordo com os Lusos de
repente
falha e ameaçadoras vizinhanças
rompem as seculares
anglo – alianças:
expulsam – nos de terra
afro a serpente,
em que se transformou
suja Inglaterra,
sendo famosa por
pirataria,
estando pronta para
toda a guerra.
De Portugal Ingleses
expulsaria,
mas ficando com tudo
quanto encerra
seu cofre, deixando-os
em agonia.
III
A Moleirinha e o seu Burrico
Ergue-te, moleirinha,
de brancas cãs.
Teu burrico, de orelhas
erguidas, está
como é seu hábito todas
as manhãs.
Leva trigo e milho e
traz farinhas sãs.
A Lua disse adeus e o
dia vem lá.
Moinho longe e virás no
mesmo dia.
Burrinho vai à frente,
ela atrás tangendo.
Ao ribeiro chegaram e
ela sorria.
A farinha p’ros pobres
será alegria.
Nos céus Querubins os
estão bem dizendo.
No regresso, o toc, toc
é mais apressado;
o calor foi-se e a
escura noite a cair.
A cama os espera: o
corpo está cansado.
Que encanto: até o asno
todo esbranquiçado.
Um à beira do outro,
parecem sorrir.
O mundo agradece à
linda moleirinha
e ao seu lesto, dócil e
humilde jumento.
Com meigo toc, toc,
devagar ou asinha,
transformam o grão em
macia farinha.
Vi este quadro em
vetusto convento!
IV
A Velhice do Padre Eterno
Junqueiro, nunca foste
tão infeliz,
atribuindo idade ao
Deus Criador.
Deus é Ser incriado.
Ele assim o quis.
Gerou Seu Filho, Jesus,
com muito amor.
E os exemplos que
usaste, isso não se diz:
causam asco e p’ra mim
ofendem O Senhor.
Teu coração está podre;
e tu inda te ris.
Arrepia o caminho pleno
de dor.
Sei que, ao entardecer
da vida, mudaste.
As blasfémias eram
pecados que aos Céus
bradam e das culpas
tuas te afastaste.
Tua Alma do pecado
limpa tais véus
das puras noivas que tu
outrora ultrajaste.
Também perdão quero
p’ros pecados meus.
V
Hino ao Sol
Deus o criou,
e alumiou
quem procurou
o Sol!
Fermento de vida
logo que é sentida.
Sempre agradecida
ao Sol!
Hóstia consagrada
por ele iluminada;
meu corpo é a pousada
do Sol!
Quando brilhas nas
frescas águas,
dos peixes fogem as
mágoas,
pedindo suaves fráguas
ao Sol!
És lanterna do
pescador,
abres caminho ao
lenhador;
toda a Natura quer
calor
do Sol!
Aparece a seguir à
Aurora:
multicor é onde ele
mora.
Tudo é escuro quanto
está fora
do Sol!
O Sol contribui para o
nosso pão
como se fosse o mais
querido irmão.
Quem é do Homem o mais
forte bordão?
o Sol!
Havendo pão, no lar
existe harmonia.
E quem é o fautor de
tanta alegria?
É o Sol que germina a
Terra todo o dia.
E para o Homem será uma
mais valia!
Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra
18 comentários:
Mais um belo momento de poesia!
Guerra Junqueiro foi um poeta amado por uns e odiado por outros. Em OS SIMPLES revela-se um autor de grande sensibilidade.
Parabéns ao Sr. Agostinho.
Um abraço amigo.
M. Emília
Uma bonita homenagem a Guerra Junqueiro.
Beijinho
Momentos mágicos, estes...reler e relembrar... Que bom
Obrigada
BS
Gostei muito de ler. Texto e poemas maravilhosos
Desejo um Bom Domingo em que a felicidade esteja sempre presente.
Lindos versos, poemas e mais uma bela homenagem aqui! beijos,tudo de bom,chica
Mais um excelente momento criado pelo teu pai.
Lisa, minha querida amiga, tem um bom domingo e uma boa semana.
Beijo.
Que partilha boa...obrigada!
Bjs
Maria
Olá Lisa ,Guerra Junqueiro merece
este destaque no seu blog ,já fui
visitar a casa museu ,na altura muito
mal conservada ,mas enfim...
boa semana e beijo
Lisa, hoje venho só para te pedir desculpas por não ter aparecido na festa do 5º aniversário deste maravilhosos blog. Parabéns, amiga, pelo belo trabalho e obrigada pelo carinho com que sempre nos recebes cá. Tenho a certeza que me vais desculpar esta minha falta. Tenho tido menos disposição para as visitas e já sabes o motivo, apesar de agora as coisas estarem a acalmar. Beijinhos e PARABÉNS!
Emília
Aqui recorda-se, aprende-se e admira-se a excelência da poesia!
Beijos Elisa
Guerra Junqueiro , poeta controverso, de quem li muito jovem "A Velhice do Padre Eterno".
Boa semana para vós.
Lindos poemas!
Uma ótima homenagem, amiga.
Parabéns!!!
Beijos,
Lia Regina-LIARTRIO
Obrigada pela partilha e uma boa semana.bjs
Uma lição de literatura deveras interessante.
Estudei o poeta no liceu, tive professor à antiga.
Um prazer relembrar e reler.
beijinhos ao paizinho e para ti, Lisa.
Bela homenagem com o cunho de seu pai :)
beijo amigo
Que maravilha poder conhecer mais um poeta de sua terra. Teu pai deve ter histórias fenomenais para contar. Fiquei encantada de conhecer.
Bjos e fiquem com Deus.
Tão bom reler e recordar Guerra Junqueiro.
A teu pai, obrigada!
Beijo
Gosto de Guerra Junqueiro e gostei da homenagem que o teu pai aqui lhe presta
Beijinhos
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