Poesia do Século XVII
A Poesia Lírica Cultista e Conceptista
O cancioneiro barroco: a “Fénix Renascida” e o “Postilhão de Apolo”.
“ O que mais depressa fere a atenção na poesia barroca portuguesa é o contraste entre a sua ênfase ou tortura de estilo e as ninharias que servem de conteúdo à maior parte dela.
Notam-se defeitos como o exagero descabelado da superlativação encomiástica. Por vezes, entrelaçam-se dois, três ou quatro temas dentro do soneto.
Um dos seus mais evidentes estigmas é um sentimentalismo amaneirado e verboso. Até o sentimento religioso se alambica em muitas poesias desta época.
A ânsia de evasão para os paraísos artificiais da imaginação é uma das características do estilo barroco. Não é por acaso que o título do principal cancioneiro barroco se refere a uma ave mitológica ( a Fénix que renasce das próprias cinzas).
O cultismo é essencialmente um artifício da forma, enquanto o conceptismo é do conteúdo.
Os poetas da “Fénix Renascida” ou do “Postilhão de Apolo” limitam-se a intensificar fórmulas, a emprestar muita importância a uma construção que cai no artificioso.
Resumindo: cultismo e conceptismo são duas expressões de um conceito de poesia fundamentalmente idêntico e que se integra no estilo da época barroca: o que a reduz a uma actividade puramente lúdica. É um jogo de palavras, faiscante de graciosos trocadilhos ou equívocos; é um jogo de imagens, com que se aformoseia, se transfigura a realidade; um jogo de construções, com que se organiza a frase e se molda o pensamento dentro de modelos predeterminados; um jogo de conceitos – os conceitos subtilizados pelos hábitos escolásticos, que os substituíam à observação e à experiência.”
Até ao fim do ano em curso vamos recordar, com poesia, alguns poetas que cultivaram o estilo barroco, respeitando a sua actividade puramente lúdica.
Iniciamos esta”viagem” com o poeta
António Barbosa Bacelar
Soneto
À solidão
Vivo satisfeito, por estar só;
óptimo seria estar com alguém,
acreditando que eu era ninguém.
A companhia até me causa dó.
Viajo parado no meu trenó,
correndo na neve que está além.
Os intensos clarões não vejo bem,
mas ouço o moinho que não tem mó.
Se estou alegre, começo a chorar;
se desanimo, coisa boa espero.
A desgraça alimenta minha esp’rança
de tudo possuir, sem o lograr.
Se o dia é radioso, desespero;
se está chuvoso, a fúria me amansa.
Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra
Foto: Olhares.com