sábado, junho 16, 2012

Momento de poesia com Agostinho Fardilha


Alexandre Herculano

(1810 – 1877)



“ Nado e criado em plena derrocada do velho Portugal, Herculano, em contraste com Garrett, formou-se inteiramente dentro do Romantismo.

Poeta, romancista, historiador, ensaísta e polemista,Herculano é, sem dúvida, a par de Garrett, a grande figura fundadora do Romantismo em Portugal.

No que diz respeito especificamente à sua obra poética, Herculano exprime, desde os primeiros versos, o paralelismo temático religião- pátria como profissão de fé do poeta romântico, integrando-o na sua visão liberal da sociedade. Note-se ainda um outro aspecto da sua obra poética: a oposição cidade/campo.

Quanto à versificação, predominam, em Herculano, a estrofe em verso branco, segundo a tradição arcádica, e a quadra, sobretudo em redondilha. Pode considerar-se romântica a diversidade métrica dos seus poemas longos”.



Vamos tentar render homenagem a este “Grande Homem de Letras”, através das composições poéticas que se seguem.



A Harpa do Crente
(colectânea de poesias)

Com que alegria dedilho a minha Harpa,
saudando a rósea Aurora nascente,
que ao Sol abre as portas até ao poente,
tudo despertando do vale à escarpa.

Animava os banquetes, sendo a carpa
raro petisco para rica gente;
no povo também estava presente,
se o pescador voltava e o barco arpa.

Sou crente e com Harpa louvo esse Deus
que ofereceu ao Homem a Natureza,
cujas fronteiras são a Terra e os Céus.

Por todo o lado e em tudo, eis Beleza!
Dela ornemos as nossas Almas, quais véus,
não vá Ele aparecer de surpeza.

Vocabulário
arpar ou arpear = ferrar (lançar ferro)


O Bom Pescador

Por guia as estrelas
lá vais para o mar
a vida ganhar,
ó bom Pescador.

Preocupações
abafas cantando;
o mar ondulando
não te dá temor.

Tua voz c’o a brisa
amainam as águas,
esquecem-se as mágoas
e à noite dão cor.

Acordas os peixes:
fogem para as redes,
que não têm paredes
p’ra lhes dar alvor.

És muito feliz.
não queres o mal
a nenhum mortal.
É lei do senhor.

O mar está bravo?
Pensas na família.
Ficas de vigília
e vai-se o pavor.

Nã caces o miúdo
peixe. Tubarão
mata. Ele é ladrão,
Do dolo fautor.

Vi-te no sermão
do bondoso António.
Rugia o demónio,
ouvindo o Doutor.

Pescador, sê bom:
mata a fome ao pobre.
Levarás no dobre
todo o nosso amor.


A Cruz Mutilada

Quem te feriu, ó Cruz do meu Senhor?
Estás ensanguentada.
Quando Te vejo na Igreja ou ermitério,
tristeza é ampliada.
Venero-Te em qualquer lugar que estejas:
na campa do defunto,
nas festividades que pedem insenso,
nos préstitos em conjunto
com floridos andores e muitas bandeiras.
E, de noite, o luar
descobre-Te no meio dos ciprestes:
não resisto a chorar,
porque Te amo, ó Cruz por nós mutilada.
Mas também és o tecto
da morada de conhecida vítima
de alguém não descoberto.

Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra

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