segunda-feira, abril 20, 2009

CANTIGA DE AMOR

(Cantiga de mestria)
(em décimas de versos de 7 sílabas, segundo o esquema a b b a a b c c d d)


Só a Deus devia amar
e jamais essa mulher,
que o coração sempre a quer.
Ao inferno irei parar
se me não vier salvar;
mas Ele, quando souber
desta coita sem guarida
e da paz então vivida,
terá dó deste coitado
e me dará bom recado.

Tal mulher feriu Amor,
que mora no coração.
Ela nunca me quis, não,
desejou sempre o pior.
Venho, meu Deus e Senhor,
rogar-te, em oração,
que olhes para a minha sorte,
dando à coita fera morte
e do meu peito faz vaso,
onde de mágoa me abraso.

Suspirar e bem querer
à mulher que me quer mal,
transformar-me em seu feudal,
por ela qu’ria morrer.
Isso pode acontecer,
porque minha dor é tal
que Deus sabe o grande torto
e hoje talvez serei morto,
por não haver o milagre
que esta mesura lhe agrade.

Ao Amor e ternos ais,
o que fez ela? não sei!
Desprezou-me e sempre a amei.
Poderão dizer o mais
as lágrimas que chorais
ao ver que tudo acabei…
O bem querer já ignoro.
Ora peço a Deus que o choro
me traga um outro Amor vivo,
p’ra esquecer “senhor” esquivo.


Agostinho Alves Fardilha
( o meu pai )
Coimbra

esquivo=horrível
guarida=alívio, resguardo
mesura=delicadeza
recado=recato
senhor(substantivo uniforme)= dona, senhora
torto=injustiça
vivo=intenso

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