domingo, junho 16, 2013

Momento de poesia com Agostinho Fardilha


Guerra Junqueiro
Abílio Manuel Guerra Junqueiro
(1850 – 1923)

“ Oriundo do meio social duriense, muito tradicionalista e clerical, a família destinara-o à vida eclesiástica. Chegou a frequentar a Faculdade de Teologia, quando Coimbra ainda vibrava na sequência da recente Questão do Bom Senso e Bom Gosto. Acabou por se formar em Direito. Conviveu de perto com o poeta João Penha, tendo-se estreado na sua famosa revista A FOLHA. Tentou sempre conciliar a sua vida entre a cidade e o campo, entregando-se à exploração agrícola na sua terra de Barca de Alva. Aquando do Ultimato inglês, Junqueiro vibrou de patriotismo e, renunciando à monarquia, passou a antever no advento da república o princípio da regeneração da vida nacional. Com António Cândido, Junqueiro foi um dos”Vencidos da Vida” que mais tempo viveu, podendo assim ter uma imagem mais completa do que a sua geração fez ou deixou por fazer. Junqueiro foi um dos poetas mais admirados e odiados do seu tempo. Aderira ao grupo do Cenáculo, alinhando-se com os outros membros mais vivos da geração de 70. A sua poesia é ao mesmo tempo satírica e religiosa. A visão junqueiriana da comédia humana é muito complexa. Quis ser poeta/profeta como Víctor Hugo. Desejou fundir Ciência e Poesia, arvorando-se em vago mentor da revolução emancipadora de todos os ancestralismos. O momento culminante da sua actividade panfletária foi atingido com a publicação de A VELHICE DO PADRE ETERNO. Na sua visão jacobina de Deus e da Igreja, falta a Junqueiro a fina ironia voltairiana. A irreverência da linguagem e dos chascos atraiu sobre si a maldição eclesiástica e o interdito  de leitura da VELHICE DO PADRE ETERNO. A Velhice do Padre Eterno é uma sátira bíiblica e anticlerical deformadora, atenuadas por algumas jóias poéticas de pura religiosidade, de sabor humanitário e panteísta na moda. Será, aliás, esta corda final que o poeta saberá fazer vibrar com perfeição na parte final da sua vida. O próprio poeta não pode deixar de reconhecer o grosseiro facciosismo nas suas sátiras FINIS PATRIAE e PÁTRIA. Calaram-se as suas diatribes voltairianas e o poeta de OS SIMPLES, da ORAÇÃO DO PÃO, da ORAÇÃO À LUA, envereda por trilhos metafísicos, sem nunca desprezar preocupações científicas e progressistas”.

Lembremos este Grande Homem e Poeta, autor de vasta obra multiforme, através das insignificantes composições poéticas com que tentamos imitá-lo.




I
Para onde vais, mulher?


Do casebre saiu,
era noite cerrada,
um gemido se ouviu,
vindo duma trouxada.

De fome agonizava
o fruto das entranhas.
Ela tudo tentava,
mas isenta de sanhas.

Ao longe há luzes e festa.
Pula nos matagais,
chega lá muito lesta.
Pede atendam seus ais.

Como peste foi tida,
incómodo a evitar.
E dali foi corrida:
lá vai recomeçar.

Já é dia, o Sol raia.
Ouve duma choupana
choro de mãe ou aia.
A terra tem por cama.

Ambos eram meninos e Jesus os chamou.
Mistura dos Anjos os hinos e choros destas mulheres.
Recorda que Tua Mãe junto à Cruz chorou.
E Tu  podes também levá-las, se quiseres,
premiando os quatro com alegria e amor.
Os Céus aclamar-Te-ão, chamando Senhor!


II
Os Vampiros


De noite o sangue chupam ao inocente.
De dia encantam com falinhas mansas.
Nos negócios usam outras danças,
iludindo às avessas o mais crente.

Acordo com os Lusos de repente
falha e ameaçadoras vizinhanças
rompem as seculares anglo – alianças:
expulsam – nos de terra afro a serpente,

em que se transformou suja Inglaterra,
sendo famosa por pirataria,
estando pronta para toda a guerra.

De Portugal Ingleses expulsaria,
mas ficando com tudo quanto encerra
seu cofre, deixando-os em agonia.


III
A Moleirinha e o seu Burrico


Ergue-te, moleirinha, de brancas cãs.
Teu burrico, de orelhas erguidas, está
como é seu hábito todas as manhãs.
Leva trigo e milho e traz farinhas sãs.
A Lua disse adeus e o dia vem lá.

Moinho longe e virás no mesmo dia.
Burrinho vai à frente, ela atrás tangendo.
Ao ribeiro chegaram e ela sorria.
A farinha p’ros pobres será alegria.
Nos céus Querubins os estão bem dizendo.

No regresso, o toc, toc é mais apressado;
o calor foi-se e a escura noite a cair.
A cama os espera: o corpo está cansado.
Que encanto: até o asno todo esbranquiçado.
Um à beira do outro, parecem sorrir.

O mundo agradece à linda moleirinha
e ao seu lesto, dócil e humilde jumento.
Com meigo toc, toc, devagar ou asinha,
transformam o grão em macia farinha.
Vi este quadro em vetusto convento!


IV
A Velhice do Padre Eterno


Junqueiro, nunca foste tão infeliz,
atribuindo idade ao Deus Criador.
Deus é Ser incriado. Ele assim o quis.
Gerou Seu Filho, Jesus, com muito amor.

E os exemplos que usaste, isso não se diz:
causam asco e p’ra mim ofendem O Senhor.
Teu coração está podre; e tu inda te ris.
Arrepia o caminho pleno de dor.

Sei que, ao entardecer da vida, mudaste.
As blasfémias eram pecados que aos Céus
bradam e das culpas tuas te afastaste.

Tua Alma do pecado limpa tais véus
das puras noivas que tu outrora ultrajaste.
Também perdão quero p’ros pecados meus.



V
Hino ao Sol


Deus o criou,
e alumiou
quem procurou
            o Sol!

Fermento de vida
logo que é sentida.
Sempre agradecida
            ao Sol!

Hóstia  consagrada
por ele iluminada;
meu corpo é a pousada
            do Sol!

Quando brilhas nas frescas águas,
dos peixes fogem as mágoas,
pedindo suaves fráguas
            ao Sol!

És lanterna do pescador,
abres caminho ao lenhador;
toda a Natura quer calor
            do Sol!

Aparece a seguir à Aurora:
multicor é onde ele mora.
Tudo é escuro quanto está fora
            do Sol!

O Sol contribui para o nosso pão
como se fosse o mais querido irmão.
Quem é do Homem o mais forte bordão?
            o Sol!

Havendo pão, no lar existe harmonia.
E quem é o fautor de tanta alegria?
É o Sol que germina a Terra todo o dia.
E para o Homem será uma mais valia!





Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra




Fui mimada...

Obrigada, Chica, pelo carinho


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