sábado, março 21, 2009

Dia Mundial da Poesia com Maria Teresa Horta

Este dia foi instituído pela UNESCO com o objectivo de defender a diversidade linguística.




O Corpo

Digo do corpo
o corpo:
e do meu corpo

digo no corpo
o sítio e os lugares

de feltro os seios
de lâminas os dentes
de seda as coxas
o dorso em seus vagares

Lazeres do corpo:
os ombros
as lisuras- o colo alto
a boca retomada

no fim das pernas
a porta da ternura
dentro dos lábios
o fim da madrugada

Digo do corpo
o corpo:
e do teu corpo
as ancas breves
ao gosto dos abraços

os olhos fundos
e as mãos ardentes
com que me prendes
em súbitos cansaços

Vício de um corpo:
o teu
com o seu veneno

que bebo e sugo
até ao mais amargo
ao mais cruel grau do esgotamento

e onde em silêncio
nado
em cada espasmo

Digo do corpo
o corpo:
o nosso corpo

Digo do corpo
o gozo
do que faço
Digo do corpo
o uso
dos meus dias

e a alegria
do corpo sem disfarce


Maria Teresa Horta
in “Educação Sentimental”

Dia da Árvore com Florbela Espanca



Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"
Foto:internet

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