Poesia Renascentista
Em homenagem ao escritor quinhentista Francisco de Sá de Miranda, natural de Coimbra.
“Ficamos a dever a Sá de Miranda a introdução, em Portugal, do novo estilo literário(“dolce stil nuovo”), usando as novas formas renascentistas em voga na Itália, onde viveu alguns anos. Mas nunca deixou de cultivar e poetar nos moldes tradicionais, usando a “medida velha”, como se verifica nas “cartas”.
A parte mais original, e por ventura mais interessante, da obra poética de Sá de Miranda é a metrificação em redondilha menor”.
Nas “cartas”, em quintilhas de versos de 7 sílabas, manifesta a sua constante preocupação de fazer moralidade, de ser útil.
Modestamente vou tentar imitar Sá de Miranda, escrevendo, em verso, uma breve carta aos indulgentes leitores dos meus insignificantes escritos.
Carta
Desculpa aos caros leitores,
humilde, quero pedir
e aos indulgentes censores,
por eu lhes diminuir,
o tempo p’ros seus labores.
Para Vós e para mim,
que elogiamos as letras,
serão ócio sem fim,
o bom alimento, enfim,
das mentes, por vezes, pretas.
Mediania dourada,
alegre, opõe-se à riqueza;
é a inimiga ajustada
da ambição. Maior nobreza
do que a vida imaculada?
Evita o explorador
que torna seu o alheio:
das leis não é cumpridor,
revertendo a seu favor
o que furta sem receio.
Feliz era a idade de ouro,
sucedendo-lhe a da prata;
depois, como bravo touro,
a do ferro, que, em bravata,
do mundo fez matadouro.
Como é bom viver no campo!
A ave, fugindo à gaiola,
procura lugar escampo,
aberto e livre de tampo;
medrosa, já cantarola.
Ficam, em geral, no olvido
a tranquila vivência
e o ar puro sempre havido,
da Natureza a essência,
a cura do desvalido.
Livres seríamos nós,
respeitando a “madre antiga”;
não ficaríamos sós,
bastaria a mim e a Vós
como a mãe o filho abriga.
Olhai a simplicidade
d’homem do campo, o vilão,
apagado e sem vaidade.
Ambicioso e mui vão
é o homem da cidade.
Atenção aos lisonjeiros
de que estamos rodeados:
por fora, mansos cordeiros;
por dentro, lobos matreiros.
Ficamos, ora, avisados.
Defendamos a justiça,
que, para ser verdadeira,
jamais acomodadiça,
mas em tudo sempre inteira:
definharia a cobiça!
Pensemos na honra manchada,
que ficará sempre suja.
Vaidade mui disfarçada,
em voga bem praticada,
é a beatice sabuja.
Lembremo-nos como a vida
é fugaz e que a morte
impõe a nossa partida
e nos dá o passaporte
p’ra terra desconhecida.
Será nossa obrigação
honrar os antepassados.
Deram-nos boa lição
sobre o amor ao nosso irmão.
Oxalá sejam lembrados!
Termino. De novo peço
vénia p’ra estas pelejas.
Escrevinhei em excesso.
As palavras, tais cerejas:
como e logo recomeço.
Quintilhas de versos de sete sílabas. Esquema: ababa e abaab e assim sucessivamente, em alternância, toda a sua estrutura.
Vocabulário: pretas= sombrias, melancólicas
Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra
Imagem:internet