segunda-feira, março 23, 2009

CANTIGA DE AMIGO


Cantiga de mestria
pastorela
(de 7 sílabas, segundo o esquema a b b a a c a c )


Pelos campos da Lousã
a pastora bem talhada
velava pela manada
desde o romper da manhã.
De donzela mui louçã,
de rosto tão formosinho,
se tornou em coisa vã,
qual ave sem ter um ninho.

Desmaiou, caindo na erva.
Assim esteve e sonhou
que o seu amigo tardou
ao perseguir uma cerva.
Co’ele trazia outra serva
e os dois foram à ermida,
que fica ao longe, na serra,
pedir a Deus longa vida.

A pastora, olhando o amigo,
fala-lhe que é um malvado,
que é um falso namorado.
Ó flores do monte, eu vos digo:
nesta coita não consigo
amar outro entendedor;
era mais um inimigo
a zombar do meu amor.

Mas a pastora os sentidos
recobrou. Porém os olhos,
fixos e peados de antolhos,
de tanto olhar são feridos.
Como o melhor dos maridos,
fala que está ali agora
e, segredando aos ouvidos,
diz não haver mais demora.

Agostinho Alves Fardilha ( o meu pai)
Coimbra

talhada= formosa, bela, de corpo delgado
entendedor=namorado

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