quarta-feira, janeiro 16, 2013

Momento de poesia com Agostinho Fardilha


João Penha

(João Penha de Oliveira Fortuna)
(1838 – 1919)

“Nasceu em Braga e licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. O vate bracarense fundou a revista “ A Folha”, onde colaboraram vultos como Cândido de Figueiredo, Teófilo Braga, Gonçalves Crespo, Sousa Viterbo, Guerra Junqueiro, etc.
            Esta revista pode considerar-se como o ponto de partida da poesia parnasiana e realista. A sua influência foi muito importante como reacção contra o ultra-romantismo.
             Como poeta, João Penha recupera, sobretudo, o soneto da escola italiana e a camoniana oitava rima, levando ao excesso o aprumo formal e a atitude antilírica, mordaz programaticamente contra toda a herança do romantismo e da sua degenerescênca ultra-romântica.
Albino Forjaz de Sampaio resume o seu epicurismo acintoso numa frase: “ A sua musa, vulgada pelas Rimas, cantava duas coisas: o vinho e as mulheres”.


Lembremo-lo com as composições poéticas que se seguem.



I

Pecados

                        1

Entre agrestes penhascos alcandorada
p’ros lados do Marão labuta o povo
numa rude aldeola mourejada
nos trabalhos da terra, seu renovo.
Por falta de higiene era empestada,
oh! Céus, não de mau cheiro, mas de novo
vinho só feito c’uva da “ex matre”,
tão bom que torna fofo o duro catre.

                        2

Um cura pastoreia os crentes em Deus,
de barriga qual dorna sempre cheia
de saboroso vinho e trajes seus
manchados por frequente bebedeira,
emborca, de manhã, com bons pitéus,
enorme canjirão: uma braseira
parecem as bochechas. Mas fregueses
gostam dos seus sermões, embora soezes.

                        3

Em certa Missa, o frade criticou
quem tiver relações sexuais fora
do casamento: Adão só Eva amou.
Mas um paroquiano, sem demora,
o frei interpelando, perguntou:
apanho uma piela a toda a hora.
Pecado beber tanto? Cura, então:
traz calma ao nosso corpo. Assim, é Não.



Vocabulário:
Renovo= horta
“ex matre” = só da videira (sem mistura)
Soez = estúpido


                                                                  II

O Vinho
(soneto de versos com sete sílabas)


Vinho primeiro que nós?
Talvez recepção divina,
augurando boa sina
saída da Sua Voz.


Abel e Caim feroz
luta aos dois os desatina:
o vinho foi a ruína
e a morte veio após.


Horácio , em ode sublime,
elogia vinho puro,
que o coração sempre anime


por mais qu’ele seja duro.
A sua falta deprime
Canaá que fica em apuro.



                                                                       III

Qual dos dois?

            1

Sou feliz p’la minha amada.
Comprei, porém, um cacete
e de reforço um porrete
para quebrar a ossada
a quem deitou uma olhada
para a linda Dulcineia,
a mais esbelta da aldeia.
Ele é rico, mas labrego;
parece mais um borrego,
sempre de barriga cheia.


                        2

Fico sempre todo em brasas,
se maravilhada vês,
quando esse porco montês
diz ter numerosas casas.
É com elas que te aprazas?
Ser feliz tem mais valor:
olha p’ra este trovador
e dá-lhe o teu coração:
farás um ajuste bom,
e em meu jardim serás flor.


                        3

Vou dizer quem somos nós.
Depois ajuizarás
e quem vale mais dirás.
De uma vida é a foz
casar. Não sejas veloz.
Oh! Vem aí o jumento.
Sem chapéu o cumprimento.
Todo ele exibe riqueza
com a falta de limpeza:
é cara sem escarmento!


                        4

Entrou na enfeitada sala,
mostrando dourados estribos,
cabeleira como os chibos.
O dono olha, mas se cala,
porém dona deita fala,
atalhando verborreia,
mandando servir a ceia.
Com lábio enxuga nariz;
Não come, engole o infeliz.
Não merece uma tareia?


                        5

Mas tu, formosa menina,
bem me conheces: nos dias
alegres em que taça enchias;
tristes, quaresma domina,
mas sem zanga pequenina.
Com monóculo a doçura
dos olhos cubro. Ela é alvura.
Sou culto p’ros portugueses
e o mais puro dos burgueses.
Face magra tem brandura.


                        6

Minhas cantigas são lindas
e apreciadas também
p’las moças, que, sem desdém,
dizem que mais são benvindas.
Sou o homem que não rescindas.
Pensa e diz: seu carroção
queres, mais currais e chão,
caxemiras e mais presentes
ou minha choça sem gentes:
só eu e o meu coração?


Vocabulário:
Ver= prever
Aprazar= ajustar
Escarmento = vergonha
Atalhar= interromper
Quaresma =abatimento
Chão= propriedade rústica



Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra





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