terça-feira, março 12, 2013

Momento de poesia com Agostinho Fardilha


Gonçalves Crespo (António Cândido Gonçalves Crespo)
(1846-1883)

“Nasceu no Rio de Janeiro em 11 de Março de 1846, mas veio estudar para Portugal, tendo seguido o destino normal: o de matricular-se em Direito na Universidade de Coimbra.
O meio que ele vem encontrar, na cidade universitária, já não é o de Antero de Quental. Os ideais são outros e diferentes os Mestres. Está-se na Coimbra de João Penha e é em a FOLHA, por este fundada, que se tornou como no órgão do parnasianismo português e onde Crespo inicia a sua actividade literária. Ele é considerado o iniciador do parnasianismo português. Usa descrições realistas de grande exactidão e talvez excessiva preocupação estilística; coabita com narrativas dramáticas.
A saudade de uma terra brasileira e de uma mãe que aí permaneceu inspirou-lhe poemas que reflectem essa dor e uma certa inadaptação. É também um poeta que exalta o mar e os navegantes portugueses.”

Lembremo-lo com as composições poéticas que se seguem, respeitando a estrutura usada pelo Poeta.



I
Sesta agradável

A duas árvores frondosas e sombrias
uma rede fica
suspensa e nela bem talhada mestiça
dorme a sesta repousante com preguiça
e se perna estica,

faz arregalar os olhos do moleque
que balança a rede.
A macuma com sua voz arrastada
mais a fresca aragem do leque exalada;
reparai e vede:

dorme e nos seus lábios acobreados
há puro sorriso.
Quem sabe? Não parece estar a sonhar
com o seu Grande Amor que já a quer levar
p’ro “lar- paraíso”?

Mas de longe chegam magoadas vozes
de imensos cativos
que no “engenho” todo o dia mourijaram.
Da crioula as pestanas se levantaram:
oh! que rubis vivos!

II
O dia a dia na roça


No eirado mais mucambas eis a Sinhá
muito jovem e formosa a trabalhar:
toalhas de cambraia p´ra bordar;
trouxa de fino linho à espera está.

O Sol se foi e a noite, essa vem já.
Os pirilampos começam a brilhar
e passarada nocturna a piar.
Escuridão vai e a luz voltará.

Os tristes cânticos chegam de longe:
chusma de escravos, suados, regressam
do desumano trabalho, a chicote.

Outra voz se ouve: o tropeiro vem lá.
Mas tudo pára p’ra ouvir sabiá.
Depois recolhe o gado sob o archote.

III
Coração a sangrar


Teu coração  tem espinhos e rosas.
Espinhos sou eu; rosas são lembranças.
Dos teus olhos lágrimas copiosas
suavizam dores, dão esperanças.

Quem chora, nenhuma moça garrida,
nem algum amigo, que lá deixei.
É quem me trouxe ao Mundo, enternecida,
e que sempre reza por mim, eu sei.

Quando no catre reclino meus ossos,
penso naquela que me deu a vida,
nos seus conselhos, nos segredos nossos
e até na sua gostosa comida.

Sofro sozinho: não digo a ninguém.
Entre mim e ti há o mar imenso.
Que estarás a fazer, ó doce mãe?
Não chores. Um dia regressar penso.

IV
Mater Dolorosa


A escuna da vista se escondia.
As abundantes lágrimas maternas
o seu rosto sulcavam. Eram lanternas,
revelando a amargura que lá havia.

Azul celeste tudo sempre espia,
entrando até nas mais fundas cavernas,
onde ancião procura para as ternas
crias tenros peixinhos: que folia!

Já surge a meiga Lua, mas em breve
dá a vez à Aurora que, de leve,
beija as azulinas águas d’Oceano.

E não dá conta a Mater Dolorosa
da sucessão do tempo. Mas chorosa
não tira os olhos do abismo magano.

Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra


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