segunda-feira, maio 24, 2010

Momento de Poesia com Agostinho Fardilha



Frei Agostinho da Cruz


(1540 – 1619)



Era irmão de Diogo Bernardes. Nasceu em Ponte da Barca. Aos 20 anos de idade tomou o hábito de capuchinho (Ordem de S. Francisco), ingressando no Convento da Arrábida.


No século, o seu nome era Agostinho Pimenta.


“ Foi o grande poeta da Arrábida, um dos primeiros (se não o primeiro) a considerar a Natureza como objecto. Os seus temas são a “saudade” do Céu e a evocação da Cruz”.


Vamos lembrá-lo com este


Soneto

Na mocidade cego foi o meu estro.
Das margens do Lima e sua verdura
me despedi. Pode existir ventura,
estando eu, inquieto, em sequestro?


Queimei os versos e com Deus palestro
agora. Vivo em Serra agreste e dura;
aqui abrirei minha sepultura.
Com as aves e fontes p’ra Deus orquestro!


Quando me lembro da vida d’enganos
d’outrora, os olhos na Cruz logo ponho.
Digo-Lhe que na Cruz o Amor nasceu.


Mereço castigo por tantos danos,
mas viver no Céu é ainda um sonho.
Esquecei, Senhor, o desvairo meu.




Vocabulário
Desvairo= desvario
Obs: respeitei a estrutura de sonetos do Poeta: (ABBA abba CDE cde)



Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)

Coimbra

Foto:internet

14 comentários:

Anónimo disse...

Belo e correcto soneto que homenageia o poeta que seguiu a corrente maneirista.

Adelaide Mesquita disse...

Olá Elisa!
Já não sei o que mais dizer dos poemas do teu pai, a não ser que fico sempre deliciada quando tenho oportunidade de os ler.
Beijinhos para os dois

Anónimo disse...

Parabéns ao autor do soneto que tão bem soube enquadrá-lo no tema preferido do poeta, "O afastamento do mundo".

Saudações.

Há.dias.assim disse...

Obrigada pela poesia;
interessante, como sempre.

A Magia da Noite disse...

às vezes só o divino nos pode salvar.

Unknown disse...

Querida Mona Lisa,
que coisa tão bela !
O vocabulário, a estrutura do soneto, a força com a qual as palavras são ditas... Tudo nos remete à época daquela criação, tudo nos transporta até a alma do poeta.
Amei.
Beijos
Mell

Nilson Barcelli disse...

O "armazém" poético do teu pai é impressionante.
Este soneto é de se lhe tirar o chapéu.
Querida amiga, boa semana.
Beijo.

Lídia Borges disse...

Grata por este soneto e pela informação sobre o autor. Gostei muito

Savi disse...

Olá Elisa
Imagino como se sente feliz e orgulhosa de ter a seu lado esse poeta chamado de Agostinho Alves Fardilha senhor seu Pai...os meus muito sinceros parabéns e que Deus o mantenha a seu lado por muitos e doces anos.
Beijinhos uma óptima semana.
Savi

Cândida Ribeiro disse...

Elisa,

lindo soneto que nos enche a alma.
Um momento belo de poesia...parabéns a pai.

beijinhos

Maria Luisa Adães disse...

Mona Lisa

Conheço frei Agostinho desde que
tenho a noção de ser gente.
Adorei encontrá-lo e à nossa Arrábida.

Tenho um livro publicado com o nome, "Arrábida, Serra, Mar e Vento".

E encontrar Frei Agostinho, foi para mim, um encanto maior.

Obrigada pela sua presença no meu recanto e gostar do meu poema.

Com ternura,

Maria Luísa

Graça Pereira disse...

Minha Querida
Dentro do estilo da época...este soneto maravilhoso! Beijos ao Pai e para ti, com muira amizade.
Graça

rosa-branca disse...

Lindo soneto minha amiga e que grande alma. Beijo meu

Anónimo disse...

Apenas com um soneto, o nosso amigo e poeta Agostinho Fardilha consegue colocar-nos no dilema da nossa vida, ou seja, saber realmente o que andamos neste mundo a fazer.
Par mim, com toda a sinceridade serviu-me de reflexão profunda.
Uma paragem no nosso quotidiano é deveras urgente, pois andamos numa correria louca e desenfreada.

O poeta chama-nos a atenção desta correria. Quanto mais cedo reconhecermos a nossa conduta melhor.
É belíssimo o primeiro verso.
Há uma confissão sincera e abertura do coração e claro está, um aviso para quem quiser entender!

«Na mocidade cego foi meu estro.»

Não há qualquer hipótese de melhorarmos na nossa vida ,sem que haja da nossa parte um reconhecimento do "quanto" estamos enganados.

«...Pode existir ventura,
estando eu, inquieto em sequestro?»

A decisão deve ser tomada.
É sem dúvida o passo mais difícil.

Subtende-se que o poeta: pensou, reflectiu e decidiu.
Avança com determinação( Decisão)

«Das margens do Lima e sua verdura
me despedi.»

O poeta continua dialogando connosco,fazendo-nos sentir um confidente amigo.
Este extravasar de toda uma vida é muito humano, próprio de um pessoa de bem, não importando o que se pode pensar , mas o que pode fazer de bem a quem andar«sequestro.»

Então o seu coração se vai abrindo cada vez mais:

«Queimei os versos e com Deus palestro
agora. Vivo em Serra agreste e dura;»

Oh! quanta força é necessária para deixarmos este mundo a que tanto estamos apegados!
É um conselho dado poeticamente e por isso muito belo( sim, "queimarmos" tudo a que tanto nos apegamos!

Mas vale a pena " deixar o mundo"
e entregarmo-nos inteiramente ao nosso Deus, pois teremos um outro mundo repleto de bela sinfonia:

«Com as aves e fontes p´ra Deus orquestro!»

Esta entrega deverá ser" total" para que se possa gozar da intimidade com o Pai e assim o poeta confessa:

«aqui abrirarei minha sepultura»

E a poesia continua duma forma encantadora.
É de realçar os tempos dos verbos .
Temos o Presente do Indicativo, nos dois tercetos, dando assim uma visão clara de que o "consciente" aviva a nossa memória e conduz ao comportamento correcto.

«Quando me lembro da vida d´enganos
d ´outrora, os olhos na Cruz logo ponho.»

O poeta encontrou a Paz.

«Digo-lhe que na Cruz o Amor nasceu.»

Continuamos a sentir o poeta num total confesso da sua alma.

É fantástico, como se consegue esta abertura e plenitude com
" tão poucas palavras".

É sabedoria, eu sei.

No segundo terceto e mais uma vez duma forma surpreendente,
( tudo que brota da alma, só pode ser belo)
o poeta embora entregue a Deus e feliz,sente-se grande pecador,

«Mereço castigo por tantos danos»

Qual de nós tem a consciência limpa?
Mesmo quando queremos servir somente o Omnipotente, a nossa consciência estará sempre" inquieta", até à hora do Encontro Celestial.

Com um vocativo, o poeta implora Misericórdia:


«Esquecei, Senhor, o desvairo meu.»

Nesta caminhada da vida apenas um ideal se sobrepõe ao ser humano:


«mas viver no céu é ainda um
sonho.»


Que todos tenhamos fé para alcançar este ideal:

»Encontrarmo-nos no Céu»


PARABÉNS, SR. Dr. Agostinho.
Fez uma homenagem muito digna. Assim se dilata a fé.
Assim se é um peregrino.
Assim se partilha sabedoria e bom gosto.

Gostei muito.

Elisa, mais uma vez e esperando que possa repetir por muitas e muitas vezes, que o teu querido pai escreve com
Sabedoria e Alma.
Parabéns também para ti.
Beijinhos.

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