domingo, julho 11, 2010

Momento de Poesia com Agostinho Fardilha

Francisco Rodrigues Lobo

“ Nasceu, em Leiria, a 1579 ou 1580 e faleceu a 1621. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra.
Dos discípulos de Camões, é o Poeta com mais originalidade e mais consciência dos padrões estéticos a que visava. Algumas das suas obras exercem um papel importante na formação do estilo barroco peninsular, sem, por outro lado, deixar de ser uma personalidade muito característica da escola camoniana.
Ele pode, porém, ser considerado como poeta- ponte entre o classicismo quinhentista e o cultismo e conceptismo seiscentista”.

Vamos lembrá-lo com



I – Soneto

II – Cantiga

III- Endechas

(Solilóquios de F.R.Lobo)

 
 
I-Soneto
 

Que saudades do tempo de outrora:
com as Ninfas do Mondego eu falava;
sentado em rochedo desabafava,
abrindo o coração, onde Ela mora.


Pedia que falassem sem demora
das manhas que às vezes o Amor usava,
pois, quando junto d’Ela suspirava,
incomodada, ia-se logo embora.


Por que Amor esconde tantos segredos,
acatando eu suas estranhas leis?
Que Amor devo escolher ou desejar?


Do meu peito saem ais e não folguedos;
no meu rosto só tristeza vereis.
Cuidados meus, Ela alguém quer amar?


II – Cantiga


Mote


Olhei, vi-te a tomar banho
nas águas frescas do Liz.
Meu Deus, fiquei tão feliz
que até de falar me acanho.


Voltas


Teu vestido era decente.
Porém, colado ao teu corpo,
vendo-o, fiquei absorto,
como que do mundo ausente.
Olhai Vénus, com assanho,
por tais raras perfeições,
dos pés às tuas feições.
Assim, já puco me acanho.


Minto, se te não disser
que teu corpo desejei.
Perdão, meu Deus, eu pequei.
Fizeste homem e mulher:
o meu pecado é tamanho?
Por que lhe deste beleza,
que faz de mim sua presa?
Ora, de nada me acanho.


III – Endechas


Jamais eu tive paz.
Negou-ma a Inquisição
pela filiação,
qual ferrete tenaz.


Filho de cristão – novo,
de mim desconfiavam,
mesmo os que me estimavam:
éramos outro povo.


Até alguns da nobreza,
camaradas de estudo,
que me dvem o canudo,
p’a mim foram surpresa.


No mundo reina o ódio,
inveja literária,
cobiça temerária,
tendo o mal seu custódio.


E os temas morais?
Mui poucos os valorizam.
Belas – artes minimizam.
Que reveses há mais?


Foi-se a independência:
quem governa é a Espanha.
Da Inquisição a sanha
foi do povo a demência!


Nunca pude escrever
o que a alma sempre quis.
Ora vou p´ro meu Liz,
onde espero morrer.


Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)

Coimbra

Foto:internet

14 comentários:

Anónimo disse...

Uma homenagem de luxo.

A cantiga foi a minha preferida.

Saudações.

lis disse...

Tres preciosos momentos , o primeiro "Soneto" me fez lembrar uma canção de Gonçalves Dias, (o mesmo estilo ) um poeta brasileiro :
"Oh! que saudades que tenho/Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais! ..."
esse poeta teve muita influência portuguesa pois estudou em Lisboa.
Gosto muito da escola camoniana.
Bela Homenagem .Parabéns ao Agostinho,seu pai.
abraços mlisa ,feliz semana

Carla disse...

Oi Elisa, nem sabes o quanto me faz falta "vadiar" por este teu canto, que saudades de um bocadinho de tempo para disfrutar dos dias de barriga para o ar eh eh eh eh. Obrigado por estares sempre presente. Um beijão e uma boa semana

Anónimo disse...

Li algures que:

"Os génios, os santos, os artistas...
se fizeram grandes coisas foi porque correram
e acompanharam o tempo."

Sr. Dr. Agostinho, também" corre" e " acompanha o tempo".

Com a apresentação do seu belíssimo trabalho, mostra-nos que o ditado popular" parar é morrer " ,é bem certo, pois :
desperta-nos a sensibilidade;
prende-nos toda a atenção;
reaviva-nos a "aprendizagem ".

Li o seu trabalho, várias vezes.
Precisei de me munir de " força" para estar certa e de " coragem" para fazer o comentário. Admito desde já as minhas dúvidas ou os meus erros.
Mas como nascemos para as montanhas e não para vegetar nas planícies...aqui estou a corresponder à sua forma de estar na vida:PARTILHAR.

Dividiria o soneto em duas partes:
A primeira parte constituída pelas duas primeiras quadras e a segunda parte pelos dois tercetos.


O tema é a Mulher.

A mulher é o elemento mais sublime e será por todos os séculos sem fim.

Na primeira parte temos como uma "Confissão do poeta".(eu...)

Abre o seu coração

«Que saudades do tempo de outrora...»

Com o predomínio das forma verbais no Imperfeito (falava ; desabafava ;usava; suspirava; ia-se)
e com a enumeração dos elementos da natureza, ou seja com a utilização dos substantivos(Ninfas; rochedo; coração; )
o poeta descreve o aspecto durativo ou frequentativo das acções
« com as ninfas do Mondego eu falava;
sentado em rochedo desabafava,»

e dá-nos uma visão da realidade que o circundava.

A vida interior do poeta está num conflito.


Na realidade a amada não corresponde ao seu amor.

Sente-se uma gradação em escala ascendente de «insatisfação»,de «desânimo» do apaixonado.

« pois, quando junto d´Ela suspirava,
incomodada, ia-se logo embora.»

È bem destacado na primeira parte este «total desapontamento».
No entanto, o apaixonado trata-a como elemento sublime, dirigindo-se duma forma suprema quando recorre ao pronome pessoal
«Ela».
Não é correspondido, mas o respeito é absoluto.


Segunda parte

«Derrota e Dúvida »

O poeta interroga-se insistentemente,pois não consegue chegar a uma conclusão

«Por que o Amor esconde tantos
segredos ,
acatando eu suas estranhas leis?
Que Amor devo escolher ou desejar?»

Extraordinário este recurso.
A interrogação ( ? ) num terceto usada Duas Vezes!!!???
O poeta atinge o seu ponto máximo com este reforço, conseguindo dar toda a "vivacidade" ao seu discurso, não para obter uma resposta , mas sim para nos aliar `sua dor e à sua dúvida ,que mais não é que uma certeza.

«Cuidados meus, Ela alguém quer amar?»

No segundo terceto, vemos que o poeta tem a certeza do seu Amor

«Do meu peito saem ais e não folguedos;
no meu rosto só tristeza vereis.»

Nestes tercetos que estão sumamente carregados de sentimentos de dor , de desilusão de desengano, o poeta aproveita todos os recursos estilísticos ao seu alcance, tais como:
-Os determinantes possessivos (suas;meu)

Pronome possessivo (meus);
Pronomes pessoais ( eu; Ela )
Pronome indifenido( alguém )

Estes dão-nos uma carga emotiva fora do comum!

-As formas verbais no Infinito
(escolher; desejar, quer; amar)

que traduzem inquietação ou
estados de alma em desespero.

-As formas verbais no Presente

«...devo...?»
O enfrentar da realidade.

«...saem (ais) ...»
Sentimos aqui a verdade de um
coração sofrido;

-A forma verbal no Gerúndio

«acatando...(o poeta sente-se impotente).

Enfim, dei por mim a divagar neste mundo literário que tanto me apaixona!!!

Soneto,que reflecte à primeira leitura, simplicidade, mas simultâneamente conotado de beleza estonteante.

Parabéns de todo o coração.ao nosso poeta Agostinho Fardilha.

Permita-me que lhe dedique esta mensagem:

«O homem é a mais elevada das
criaturas»

Beijinhos, Elisa.
Parabéns pelo teu famoso poeta e querido pai.

Adelaide Mesquita disse...

Olá Elisa!
O teu Pai está novamente de parabéns pois para mim é um grande poeta.
Gostei imenso do soneto.
Beijinhos

Anónimo disse...

O Anónimo pede desculpa pelo erro.
Onde está escrito "indifinido " deveria estar Indefinido.

Obrigada.
Beijinhos.

Amanhã continuarei a comentar.

Hoje , dia 11 de Julho,é dia de S. Bento.

Tenho muita devoção a este Santo.

«Ora et Labora»

é a sua máxima.

Tentemos imitá-lo.
Precisamos de rezar.
Precisamos de mostrar "obras" neste mundo.

Registo também para a posteridade que a
ESPANHA é a Campeã do Mundo.

Venceu a Holanda por 1-0.

Parabéns, Espanha.

Anónimo disse...

Bela homenagem de um poeta a outro poeta!

A Magia da Noite disse...

sempre a aprender.

Anónimo disse...

Logo de manhã é que se começa o dia!


Temos obrigação de corresponder ao amor dos outros.
Aqui estou para retribuir a amizade de Agostinho Fardilha.

Encontrando a reflexão para este dia, sorri, pois começa assim:

«Estás rodeado de beleza.
Abre os olhos, descobre-a e agradece constantemente, por isso.Deixa a beleza transformar-te e inspirar-te».

Trata-se de uma Cantiga.
Como gosto muito de cantigas aqui vai um pequenino extracto:

«Cantai, cantai, cantai
Cantai que a vida,é bela
Cantai, cantai, cantai
Que Cristo por nós vela»

Concretamente à cantiga "tão doce", diria que fala do Desejo do poeta pela mulher tão graciosa.

Através do Mote, o poeta mais uma vez fala de si e descreve o cenário da natureza.

O « eu » e a «natureza» estão sempre patentes. São como aliados.

O poeta inicia o mote sem qualquer rodeio.Tem necessidade de se abrir.
Fala na primeira pessoa e utiliza o Pretérito Perfeito referindo-se assim a uma acção passada ,


« Olhei, vi-te...

mas com toda a "verdade" de sentimento

» ... fiquei tão feliz»

O respeito pela mulher é sempre absoluto e com todo o respeito ele invoca o Deus Todo Poderoso

«Meu Deus...»

A apresentação da "natureza soberba" através duma adjectivação expressiva

«nas águas frescas ...»

permite-nos sentir muita tranquilidade e paz.

No entanto, o amado é sempre muito reservado
«que até me acanho»

Só com o mote ficamos com a ideia clara do amor daquele tempo.


VOLTAS


Há uma narração " discreta"da amada

«Teu vestido era decente»

mas não deixa de ser ousada

«Porém , colado ao corpo,»

é uma confissão do "impacto" que esta situação provocou

«vendo-o, fiquei absorto»

A nostalgia que sentiu

«como que do mundo ausente»

Descubro a intenção do poeta, que luta contra o " desejo " que as feições da amada provocam nele.

Insistindo nas palavras iniciadas(aliteração) pelo mesmo som « c»
(colado; corpo; como;)

O amor intenso que sente pela sua donzela leva-o à invocação de Vénus

«Olhai Vénus...»

pedindo-lhe atenção e talvez a " realização deste sonho"(poder amar sem rodeios, sem escrúpulos).

O poeta continua com a sua total sedução

«por tais raras perfeições
dos pés às tuas feições.»


e séria determinação

«Assim, já pouco me acanho.»

A sinceridade é notória, não deixando de sentir culpa
(competia ao amado amar, mas em silêncio)

«Minto, se te não te disser
que teu corpo desejei.»

Há uma evolução do tempo de outrora.
O amado não deixa de invocar Deus Todo Poderoso ao pedir-lhe perdão

««Perdão, meu Deus, eu pequei.»

E quase que desafia o Omnipotente.

«Fizeste homem e mulher:
o meu pecado é tamanho?»


Embora as suas raízes o prendam ele quer libertar-se deste cativeiro de sentimentos.

Temos bem presente "outra escola ".


Está disposto a romper as
barreiras do seu tempo,assumindo conscientemente o seu verdadeiro amor pela mulher de rara beleza.

Que bonito é este caminhar, esta luta consigo mesmo!!!
É o culminar!
O poeta assume.Está apaixonado. Nada tem a temer.
O AMOR é para se vivido e não para ser lembrado!

E assim temos uma cantiga que mais não é uma homenagem a todos aqueles que têm a Coragem de romper com as barreiras que lhe foram impostas.

O AMOR...Ah! ...o AMOR.

O AMOR quebra barreiras, une facções, destrói preconceitos, cura doenças.

Muito, muito bonita esta cantiga!
Parabéns, poeta do século vinte e um.

Parabéns , Elisa, que nos vais apresentando belíssimos trabalhos.


Beijinhos.

Mena disse...

Olá!
Adoro os teus momentos de poesia!
Bj
Mena

Paula Raposo disse...

Belíssima homenagem. Obrigada pela partilha.
Beijos.

lena fardilha disse...

Parabéns,papa-poeta!
Um bj da filha que te adora

Lena

Anónimo disse...

«ENDECHAS»

Peço imensa desculpa pelo atraso do meu comentário sobre a terceira parte apresentada por Agostinho Fardilha.

Uma das razões, foi precisamente por causa de «mudança« de local.
Uma mudança tem sempre consequências positivas ou negativas.

Realço a palavra« mudança»,pois o trabalho apresentado motivou-me para tal.

Atrever-me-ia a intitulá-lo de

" As consequências da mudança"

Certas tradições judaicas dizem que

«cada homem tem uma quota parte de sorte, que vai usando no decorrer
da vida.»

Ora este poeta confessa que não beneficiou dessa "parte de sorte" quando nos confessa logo na primeira estrofe

«Jamais eu tive paz.»

A paz é essencial na vida de cada indivíduo.

Sabemos o quanto sofreram os judeus! É bárbaro dizê-lo ,mas
é pura realidade.
O poeta expressa-o claramente

«...éramos outro povo.»

Mas a mudança não começa pela liberdade?
A mudança começa em cada indivíduo, ou não???
Não há respeito sem liberdade e não há liberdade sem respeito!

E ...prossegue o escritor interrogando-se acerca dos direitos atrás mencionados

«E os temas morais?
Mui poucos os valorizam.»

Como viver na vida sem o direito à vida?
Como se pode viver sem princípios morais?

É bem sentido o sofrimento do poeta, que no fundo não é mais que uma exposição real do que se passou na época do domínio dos espanhóis( séc. 16).

«Foi-se a independência:
quem governa é a Espanha»

O sofrimento é atroz. Descreve-o com palavras de grande negativismo e maldade

«Da Inquisição a "sanha"
foi do povo a "demência"!»

O poeta perante esta terrível conduta humana reage escrevendo.
É uma das formas de reacção que faz toda a diferença.
Se a poesia é sempre uma surpresa
fica a descoberto o sofrimento vivido.
Esta forma de reagir é intemporal e ele( poeta) tem pura consciência do valor universal desta mensagem.
Contraria, todo o processo existente, exclamando

«Nunca pude escrever
o que a alma sempre quis.»

Só poderemos ser prisioneiros de nós mesmos.
Por isso depois de ter enfrentado o problema da perseguição e da desigualdade, inteligentemente toma uma posição de liberdade

«Ora vou p´ro meu Liz,
onde espero morrer.»

Mais uma vez apreciei esta escrita.
O trabalho é revelador.
Aprende-se muito através da poesia.
Sentir o sofrimento do poeta é o objectivo máximo que se pretende
para quem escreve. Conseguiu duma maneira brilhante e curta.

Sinceramente que lamento quem diz que não gosta de poesia!
"POETAR" é
Facilitar
Distrair
Prender
Unir
Sentir
Tudo que existe no mundo.

Parabéns, Dr. Agostinho.
Mais uma vez obrigada.
Parabéns, Elisa, pelo teu papá.
Beijinhos.

xinoca disse...

Mais uma vez Pai Querido estás de PARABÉNS, GRANDE POETA É O MEU PAI
A ti Lisinha obrigado por dares a conhecer a poesia do nosso PAI
Beijos

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