domingo, março 18, 2012

Momento de poesia com Agostinho Fardilha

Marquesa de Alorna

(1750 – 1839)



“ Tem-se dito – e com certa dose de justiça – que a Marquesa de Alorna ( D. Leonor de Almeida) é a nossa Madame de Stael, cabendo-lhe, pois, o mérito de poder ser considerada a verdadeira precursora do Romantismo em Portugal.

A sua vida é fascinante. Educada com a irmã no Convento de Chelas desde os 8 anos, enquanto o pai, à ordem de Pombal, cumpria pena na prisão no forte da Junqueira, D. Leonor de Almeida, com o seu espírito cheio de curiosidades, fez como que uma sucursal arcádica das visitas e das conversas que mantinha atrás das grades.

Estava-se numa época em que a clausura não era rigorosa. Podiam acorrer visitas ao locotório e, entre estas, começaram a aparecer admiradores vários da jovem poetisa, que logo o padre Francisco Manuel do Nascimento (Filinto Elísio) apelidara de Alcipe,nome que lhe ficara para sempre.

O casamento com um nobre germânico, e largas estadias, primeiro em Viena, depois em Lourdes, reforçaram o seu progressismo e o gosto pela poesia sentimentalista.

Falecido o irmão primogénito, herdou o título por que é mais conhecida.

A extensa obra , bem como a rasgada cultura desta mulher, é um misto de tendências diversas. Quantitativamente, predomina ainda em Alcipe o classissismo. No entanto, convém lembrar a tentativa de poesia cientista (Recreações Botânicas) e um certo número de composições funebremente sentimentalistas ou melancólicas”.



Recordemo-la com as composições poéticas, que se seguem.

I – Soneto

Amor de Mãe

Vénus, sensual, e apetecida
por todos os amantes, pede a Vulcano,
o marido, das forjas soberano,
que para o filho, amor da sua vida,

Eneias, com a história luzida
de Roma, fabricasse escudo arcano
desde a Loba até Triunfo Augustano.
Vulcano cedeu à deusa atrevida.

Eneias dos factos narrados ignaro,
admira, porém, a fama e o destino
dos vindouros que Jove põe a claro.

Cípria, rejeitando o pai cretino,
deste filho se torna sempre amparo:
no coração viverá seu menino!

Vocabulário:
Cípria = Vénus
pai cretino = Júpiter ou Jove

II – Elegia

Acorda , minha Alma, e vem Deus louvar.
Sai desses bosques sagrados e escuros,
Onde passas as noites a chorar.

Salta, ligeira, da tristeza os muros,
Não deixes destes olhos mais brotar
Corrente amarga e do meu peito duros

suspiros libertar. Já a Natureza
acordou e das Graças recebeu
do céu e da terra toda a beleza.

Lá vem o Sol, fugindo a Prometeu,
com quentes raios apagar frieza.
Olha as plantas e o espreguiçar seu.

Que maravilha! Até as flores coram,
as aves de música suave enchem
os céus, onde mais o Criador moram.

Deus, minhas dores até Contigo mexem,
e, agora, mais acalmados, Te imploram
que a má sina e as Fúrias me deixem.

Vocabulário:
Graças= divindades que personificam a beleza
Prometeu= génio do fogo, roubando-o ao céu
Fúrias= deusas da vingança

III- Apólogo
O Galo e a Raposa

A raposa, esfomeada,
do monte desce aos quintais
à procura de caçada
que a barriga enchesse mais.

A Aurora ia fugindo,
quando ouviu galo cantar.
P’ra lá correu sem parar.
Oh! Galináceo, lindo...

Era grande e oh! Que crista!
Chegando, disse: bom dia,
amigo. O canto é d’artista.
Vem fazer-me companhia.

És muito tonta, matreira
raposa. Já lambes a boca.
Galo tenro na pança oca
sabia que nem “gingeira”.

Embora foi cabisbaixa
a raposa. O galo alegre
cantou. Isto só rebaixa
quem na mentira se integre.


Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra

Foto:internet

18 comentários:

Anónimo disse...

Soberba homenagem a uma mulher,
"das Luzes", numa Europa culta, mas onde ainda era raro brilharem as mulheres.

Parabéns ao poeta seu pai.

Abraço

AA.

Isabel disse...

Marquesa de Alorna, mulher da cultura, poetisa, que exaltou a liberdade.

Belíssima e merecida homenagem!

Parabéns ao teu pai, Lisa.

Beijos.

Isa Lisboa disse...

Gostei de conhecer a história desta mulher. Obrigada pela partilha!

Maria Luisa Adães disse...

"Alcipe - a Marquesa de Alorna"

foi o máximo para os poetas de sua época,como Deusa da poesia, dita nos claustros do convento. Entre esses poetas que tanto lhe queriam destaco,

Manuel Maria Barbosa Hedois du Bocage, (nascido em Setúbal) considerado o maior sonetista português.

Belo texto!

Mª. luísa

irene alves disse...

Excelente trabalho do sr. seu pai
sobre a marques ade Alorna.Gostei
muito.Parabéns.Um beijinho.Irene

Pérola disse...

Que orgulho! Um pai tão sensivel e expressivo.
Parabéns e o meu muito obrigado por me ter dado a conhecer dama tão inspiradora.
Um beijinho.

Nilson Barcelli disse...

Há anos que não lia nada da Marquesa de Alorna.
E graças ao teu pai fizeste um belíssimo post.
Lisa, querida amiga, tem uma boa semana.
Beijocas.

mfc disse...

Uns absolutamente arcádicos (classicistas), já outros prenunciadores de um romantismo, que fez a sua época, mas que não aprecio.
Todavia o rigor e a maestria são de louvar pelo Poeta que hoje interpreta, e bem, os clássicos!

Um beijo para ti e os meus cumprimentos ao teu Pai.

Adelaide Mesquita disse...

Olá Elisa!
Como já é habitual o teu Pai está de novo de parabéns! É imbatível!
Beijos para os dois.

xinoca disse...

Paizinho, mais uns pontos que acrecentei á minha cultura.... Obrigado por estes lindos momemtos de poesia.Obrigado Lisinha por partilhares com todos o a sabedotia do nosso PAI. Bjs

Alex disse...

Li o livro da vida dela (da Maria João Lopo de Carvalho) e adorei! Bela homenagem! Beijinhos

Pérola disse...

Querida Mona Lisa, sempre aberta à vida. Sê bem vinda à minha festinha particular. Viste o video do miúdo a dançar? Eu sou mais 'antiquada', mas não nego um pézinho de dança. A música 'lava' a alma.
Obrigado pelo teu carinho. Gosto do teu cantinho, venho aqui, às vezes, só para olhar para as tuas carinhosas fotografias.
Bem hajas e felicidades para ti e tua linda familia!

Lilá(s) disse...

A Marquesa de Alorna iria gostar muito desta homenagem! Parabéns ao teu pai pelo talento.
Bjs

Magia da Inês disse...

Passei para deixar uma abraço carinhoso.
Boa semana!
Beijinhos.
Brasil
¸.•°`♥✿⊱╮

lis disse...

Composições poéticas de uma época distante que muito nos encanta pela sabedoria e beleza.
Sempre aprendendo com seu pai Mlisa e quisera ter mais tempo pra ler mais das obras de grandes mulheres que souberam ousar usando a literatura pra expressar o que lhes era proibido , àquela época.
Obrigada Sr.Agostinho e abraço aos dois amigos queridos.
Uma boa noite e um belo continuar da semana.

Bergilde disse...

Mais uma história que não conhecia.Mas como digo sempre: aprendo muito cada vez que venho aqui.
Abraço carinhoso!

ma66ie disse...

Sabe quando não se tem comentários que cheguem? Aconteceu me agora (no bom sentido)! :)

Beijinhos

O meu pensamento viaja disse...

Elevadíssima qualidade no texto com forte aroma clássico.
Parabéns.

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