terça-feira, abril 17, 2012

Momento de poesia com Agostinho Fardilha

Manuel Maria Barbosa du Bocage

(1765- 1805)

“A personalidade de Manuel Maria Barbosa du Bocage parece concretizar a fase final e insanável do conflito entre o arcadismo e o romantismo, entre a dependência relativamente às instituições feudais – abolutistas e relativamente ao público editorial, entre o enquadramento absoluto – senhorial e o enquadramento burguês do escritor.

O Elmairo Sadino da Nova Arcádia é já romântico por temperamento, apesar de muito vocabulário e muito alegorismo arcádicos e dos seus laivos de iluminismo.

O que o distinguiu melhor é a matéria psicológica que traz pela primeira vez à poesia portuguesa: o sentimento agudo da personalidade, o horror do aniquilamento da morte. Tal egotismo percebe-se ainda na maneira abstrata e retórica com que se revolta contra a humilhação da dependência e contra o despotismo, em nome da Razão; no gosto do fúnebre e do nocturno, e nos clamores não menos retóricos de ciúme, de blasfésmia ou contrição.”



Recordemo-lo com as composições poéticas, que se seguem.



Sonetos

1 – Há Deus?

A Natureza demonstra que há Deus
o ledo passarinho a gorjear,
o cristalino rio a murmurar,
a meiga Lua ao Sol dizer adeus.


O agreste Inverno com os vapores seus
vai à mãe das flores ceder lugar:
a Primavera quer de si exalar
Formusura p’ra encher de Amor os céus.


Sua Mão protege o chato mosquito;
tolera até a impróvida cigarra;
entre ramos e tronco não há atrito.


Zéfiro a Fortuna e Esperança amarra.

De tudo é autor. Disto estou convicto:
A Fé ou Razão para mim o narra.



2 – Má Ventura

Abominado sejas, ingrato Amor.
São testemunhas o vento e as Graças:

ele, das juras e elas, das desgraças

que encheram meu coração de furor.



Não te basta do Desengano a cor?
A Razão não autoriza as trapaças.

Ela a  tua alegria pôs mordaças;

E por que inda buscas amargo sabor?


O Prazer e Vaidade são jardim
De flores belas, mas pouco duráveis.

Acreditei numa paixão sem- fim.


Morte, Eternidade são desejáveis
para traídos amantes e p’ra mim

que a Deus mendigamos ser perdoáveis.


3 – Perda Irreparável

Foi-se o dia, eis da noite a Escuridão.
Lembro-me dos teus olhos buliçosos,

dos lábios de beijos sequiosos,
dos cabelos que eram minha prisão.



A Candura em ti fizera mansão,
A Virtude suplantou enganoso

cuidados meus, que agora são raivosos

por não habitarem em teu coração.


Haverá inda Esperança de um dia
ver em ti santuário de Amor?

Não. Mais fácil incendiar pedra fria


e aos mirrados cadáveres dar cor.
Troquei-te p’los mares e p’la ventania,

p’lo mal e uma vida cheia de dor.


4 Não temo a Morte

Já não sou aquele que Amores cantava.
Meu estro para sempre se calou.

O deus Morfeu largo tempo esperou
até que ao longe vi quem eu amava.


Gostei da Noite e a Morte vigiava,
protegendo quem sempre a desejou.

Acolhe o pranto do infeliz que sou
e que há muito tempo por ti bradava.



Jamais tive sossego nesta vida,
mas espero ter paz na sepultura,

pedindo à Escuridade guarida.



Já na agonia imploro a Deus brandura
para evitar que na minha partida

haja, como agora, tanta Amargura.



Quadras

Dilema: Noite ou Dia?

A Noite

A Escuridade
d’estrelas o brilho

alegre nutria

como a ovelha o filho.



O gelado Inverno
os Amores unia,

as bocas selava
e ninguém ouvia.



O Dia

Quando surge o dia,
Toda a Natureza

fulvo Sol aguarda
Porém, a tristeza


neste rosto grava
o adverso Fado

daquele que está
da vida enjoado.



Desejo

Ais meus ouvi, Morte.
Ó Nume vem cá.

Não quero esta Vida,
mas a Morte, já.





Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra



18 comentários:

Anónimo disse...

Justa e soberba homenagem ao maior representante do arcadismo lusitano!

Destaco o soneto "Perda Irreparável".

Os meus sinceros parabéns ao Poeta A.Fardilha.

Abraço.

AA.

António Faria disse...

Bocage , poeta original, correctamente relembrado por outro poeta!

Abraço.

A Loira disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
A Loira disse...

Escrita fantástica e que belo gesto este post.

São disse...

Fico contente por ter vindo aqui.

Foi bom ler poesia de qualidade.

Boa semana

lis disse...

Uma grande figura e presença na literatura portuguesa.
E as composições poéticas num estilo bem moderno, sem o rebuscamento comum àquela época.
Gostei muito.
Abraços e obrigada ao Sr.Agostinho por trazer momentos de poesia de peso inigualável.
abraços a Mona também.

Bella disse...

Camões e Bocage são os meus preferidos :) Adoro como eles escrevem :) bjs

Pérola disse...

Fizeste-me arrepiar.Por aqui, terra natal do Bocage, ouve-se falar, todos os dias, nele. Nem que seja para indicar uma rua com o seu nome.
Esta inquietude com a morte e a vida. Os desejos que se contrariam.
Obrigado ao teu paizinho por tão inteligente prefácio e pela escrita selecionada. Comoveu-me.
Um grande beijinho, querida Lisa!
P.S.Já mencionei que estás linda nas fotografias que ladeam a bonita mensagem?

O meu pensamento viaja disse...

Bocage é injustamente relembrado apenas por composições picarescas!
Justíssima homenagem.
P.S. Se quiseres registar os teus posts, entra no link e segue as instruções.
Beijo

Graça Pereira disse...

Temos tendência quando ouvimos o nome de Bocage, pensar em histórias mais irreverentes passadas com ele e é pena! Desde os meus tempos de estudante que gosto dos sonetos de Bocage e é para mim uma enorme figura da literatura portuguesa.
Uma homenagem merecida através dos seus melhores (alguns) poemas!
Parabéns pela iniciativa.
Beijo
Graça

Irene Alves disse...

Uma justa homenagem ao Bocage,tão
esquecido(parece). O senhor seu
pai, é um bom colaborador para
o seu blogue. Melhor dizendo:
os dois completam-se. Eu também
gostava de mostrar os meus blogues
aos meus pais, mas já não estavam
"por cÁ" quando os criei.Mas acho,
que sobretudo o meu pai gostaria
de os ter visto.Meu pai foi músico
dde uma banda de uma colectividade.
Enfim, estou a entrar numa de
saudade, há sempre muita.
Desejo que esteja bem(estejam).
Beijinhos
Irene

mfc disse...

Interessa-me a inovação que Bocage nos trouxe e por isso tenho a sua obra na estante.
É fascínio lê-lo, tão diversificado que é.
A transposição/preenchimento dos seus sonetos e quadras com as palavras do teu Pai é perfeita.
Apenas um reparo absolutamente lateral e ideológico: no primeiro soneto, para além da perfeição da métrica e da palavra, há uma petição de princípio desnecessária quanto à existência de Deus.
É desnecessário prová-la, quanto o é negá-la.
Beijos,

Anónimo disse...

Bela homenagem a um grande poeta!

Bergilde disse...

Sabedoria profunda ensinada com tamanha sensibilidade,bonito demais!
Abraços!

BlueShell disse...

Há anos que ensino Bocage (bem, ultimamente, não); foi uma honra este bocadinho em que pude recordar o grande Bocage, admirador de Camões.
Bj

Artes e escritas disse...

Gostei muito das quadras perspicazes. Um abraço, Yayá.

ponto e virgula disse...

o meus Parabéns, o meu Obrigado, por me tranportares ás raízes da Poesia.
adoro ler Bocage. os Seus Poemas, os seus Sonetos assim como, o inteligente "retrato" escrito pelo senhor teu pai sobre o Poeta Bocage (que não tem só o lado com que muitos o identificam).



a...té

Adelaide Mesquita disse...

Como sempre o teu Pai está de parabéns!
Já pensaram em publicá-lo? Espero que um dia isso possa ser feito para que não se perca a sua poesia.
Beijo muito especial para ele.
Milai

ShareThis