sexta-feira, outubro 16, 2009

Dia Mundial da Alimentação

Para lembrar este dia e porque a sopa é a base da alimentação publico este poema de meu pai.




Trovas

A lenda de “A sopa de pedra”

Conta-se que em Almeirim e tempos idos
um frade esfomeado e barrigudo,
instruído, expedito e não sisudo,
às portas batia, mas seus gemidos
nem os ricos lavradores convenciam
a darem para a fome qualquer cousa.
Muito madraço e preguiçoso ousa
vestir hábito e freires pareciam.

Até os cães sabiam distinguir
um falso irmão, de um conventual.
Ao nosso fradinho, que era real,
ladravam, é verdade, mas o latir
era outro: p’ra dizer que estava ali
alguém, a chorar, que metia dó;
tinha como que, na garganta, um nó;
de certo pedia algo para si.

Em ano de crise, pior ainda.
Uma vez mais insiste e do cancelo
chama os donos e em lastimoso apelo
descreve o motivo da sua vinda.
Era um casal rico, mas avarento.
O mendigo, de barriga vazia,
diz que sopa de pedra fazer ia.
Na panela, emprestada, pô-la dentro.

No pote- tudo dado- pondo vai
chouriço, unto, feijão, batata, sal.
Fervendo, sobe ao ar cheirinho tal
que o casal, pasmado, dali não sai.
A malga cedida, mais de uma vez
encheu e comeu o caldo com prazer.
E a pedra?- disse ela sem perceber.
Respondeu o frade:… p’ramanhã talvez!

Fym (fim)

Os bens, que temos cá, a Deus pertencem.
Entregar parte devemos aos pobres.
De coração sejamos sempre nobres
e os mais desamparados agradecem.
A avareza é hostil ao amor.
Decerto o frade não ia esquecer
o bem que o casal tinha de fazer:
pediria sorte p’ro lavrador!


Observação: trova, em oitavas de decassílabos, segundo o esquema abbacddc. Nas 1-ª e 3-ª estrofes a rima é grave; nas 2-ª e 4-ª, é aguda. No “fym”, os primeiros quatro versos são de rima grave e os restantes, de aguda. Em todas as estrofes adoptou-se a rima interpolada.

Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra



15 comentários:

Paula Raposo disse...

Que bonito! Gosto de ler estes poemas do teu Pai. Um beijo de ternura para ele.

Anónimo disse...

Gosto imenso da poesia trovadoresca, só conhecendo trovas de 4 versos.

Achei-a difícil, muito bem estruturada e com um belo tema "uma lenda".

Parabéns pela escolha adequada ao dia em comemoração.

Mais uma vez parabéns.

Bella disse...

O teu pai está de parabéns :)

Bjs

António Faria disse...

Correcta e bela trova usada a partir do sec XV.

A lenda cantada está primorosa!

Tenho que lhe dar os meus parabéns.

Zé Al disse...

Conhecia a lenda da sopa de pedra,mas contada assim com tanta arte de um grande poeta que é o seu pai foi de um prazer enorme!
Ainda há poucos dias estava a falar com um amigo e lhe disse que tinha saudades de ir Almeirim e comer um sopa de pedra.
Bjs Zé Al

Ana Zuzarte disse...

Olá Elisa
Eu conhecia a lenda, mas esta versão é muito mais bonita, adoro os poemas do teu pai
Bjs e bom fim de semana
Ana

artes_romao disse...

boa tarde,td bem?
mas que belo senhor...
também conhecia...mas não tinha em mente agora...
parabéns.
bom fdsemana, fica bem.
jinhos****

mfc disse...

A escolha dele para poeticamente desenvolver este mote, revela a sua sensibilidade.

Lilá(s) disse...

Que maravilha de poema! parabéns aos dois.
Bjs

Just Me...S disse...

Fenomenal...uma pessoa fica sem palavras. Já conhecia a lenda mas contada assim ficou muita gira!!!

Quando era pequenina não gostava desta historia :)))

Beijo doce

Adelaide Mesquita disse...

Olá Elisa, eu sempre fui uma péssima aluna a Português e não percebo nada
da construcção destes poemas, mas acho
lindo como o seu Pai os faz.
ADOREI este, especialmente o Fym(Fim)
Beijinhos e parabéns ao seu Pai

Rita disse...

Olá!
Adorei a forma que o teu pai deu à lenda.
Vou fazer-te um pedido a ti e ao teu pai: Será que posso usar esta trova numa aula minha. Se a resposta for afirmativa, preciso de mais uma coisinha: uma pequena biografia do teu pai.
Desculpa a ousadia!

Deixei-te um miminho no meu blogue e aqui deixo um...
Bj
Mena

Anónimo disse...

A história da sopa de pedra é por todos conhecida , mas contada desta forma literária tão cuidada e tão rica, nunca tinha lido!!!
Resta-me apenas reconhecer a capacidade intelectual aliada a uma sensibilidade refinada.
E o Fym?! Está um espectáculo!
Dá a todos uma lição nobre !
Muitos parabéns! Muitos parabéns!
Ai se os professores tentassem dar uma graça, uma beleza a qualquer tema ,os alunos apaixonar-se-iam pela matéria de Português!
Por favor não deixe de escrever Sr. Dr. Agostinho.
Muito obrigada, pois fez-me recordar o que já aprendi há uns anitos e desfrutar com a rima que tanto gostava.
É bom partilhar e como diz e muito bem «de coração sejamos nobres
e os mais desamparados agradecem»
Parabéns também à sua filha Elisa, por ter um pai que« põe os seus dons a render»
Beijinhos agradecidos .

~*Rebeca*~ disse...

Elisa,

Tem que se sentir muito envaidecida com um pai tão talentoso.

Você é um encanto, menina linda, teve a quem puxar.

Beijo grande.

Rebeca

-

xinoca disse...

Obrigado meu doce PAI por mais este momento de poesia..... tudo que TU fazes é BELO.... Quão orgulhosa eu me sinto.... BJ

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